terça-feira, 3 de março de 2015

Francisco Tropa—reimpressões reduchampianas

Francisco Tropa
Aparelho que viaja à mesma velocidade de uma corrente submarina pré-determinada, 2014.
Tecido, madeira, bronze, papel e vidro. Dimensões variáveis
Cortesia Galeria Quadrado Azul

Um protótipo, o que é?


No fim da caminhada o que é que conta mais? O caminho ou a chegada? O caminho pode ter sido sinuoso, disperso, ataviado, atalhado, simulado, modelado, travestido como se... Pelo contrário, a chegada, a passagem estreita em direção ao nada, não tolera simulações, nem mais dialética.

Salvador Dalí exclamava no seu delírio hospitalar que os génios não deveriam morrer— interrogava então incessantemente os cientistas sobre a imortalidade. Os tubos enfiados pelas narinas acima davam resposta à sua pergunta: até certo ponto, conseguimos prolongar a tua vida recorrendo ao conhecimento humano e à τέχνη. Mas esta extensão in extremis do sendeiro e do tempo da caminhada tem um mesmo e inexorável ponto de chegada.

Um protótipo, o que é? Pode ser a primeira impressão, ou o modelo de algo que vem depois, como a modelação, o conhecimento, de novo a modelação, outra vez o conhecimento, os jogos de linguagem e a nomeação, o ritual, o encapsulamento, o distanciamento, o mistério, sombra, aparição—index.

Desde o momenrto em que os deuses começaram a morrer, que os artistas andam perdidos entre as aporias da lógica, da experimentação e da verdade científica, e a evidência de que o interior e o exterior da certeza sensível permanece incomensurável aos circunstanciais exercícios da razão. Não podendo regressar ao Olimpo, nem conformar-se com a arrogância sempre volúvel das ciências, os artífices da matéria, os desenhadores e os poetas refugiam-se há um bom par de séculos na paródia, na paradoxologia, na deriva onírica e na dislexia contaminante. A manipulação dos pacientes através da propaganda e sedução das imagens e dos cantos tornou-se desde então uma indústria hiperrealista, metódica e especializada—à qual os operadores estéticos são chamados a cooperar enquanto mais uma força laboral, criativa, é certo, mas segmentada pelo mercado. Os artistas resistem a esta cooptação oportunista, e em última instância assassina. Não é fácil, mas alguns conseguem.

Quando um ser vivo adormece na lama e acorda duzentos e cinquenta milhões de anos depois, é um fóssil. Quando uma pedra é recolhida por um feiticeiro que lhe extrai um molde de barro, onde depois deita uma mistura alquímica de metal líquido, quando arrefece, o que é?

Ando a ler um livro fascinante: Art and Agency—an anthropological theory, do já desaparecido Alfred Gell. De algum modo é a minha mais recente bitola —ou tally stick— para medir a autenticidade de uma obra de arte.

Encontrei hoje esta pedagogia na Net, que deixo como um convite à leitura, depois de visitarem os Protótipos de Francisco Tropa.

Gell’s main concepts are agency, index, prototype, artist and recipients. Agency is mediated by indexes, that is material objects which motivate responses, inferences or interpretations. Indexes can stand in a variety of relations with their prototypes, artists and recipients. Prototypes are the objects or persons that indexes represent or stand for, mimetically or non-mimetically, visually or non-visually. Recipients are those who are (or are intended to be) affected by the indexes. Artists are those persons considered to be the immediate cause or author of the existence and properties of the index. They may be the artists of Western art history and theory, but they can also be vehicles for the agency of others. For example, the emperor Augustus was the prototype for the index which is now known as the Prima Porta statue; the people attending a court case in a basilica where one of the many copies of this statue stood, are the recipients; its artist’s technical ability to create the illusion of lifelikeness by suggesting movement, sight and speech fills the public with awe and admiration. Agency is achieved through technical virtuosity. It can enchant the viewer: ‘The technology of enchantment is founded on the enchantment of technology’. But there are many varieties of this technique. Stylistic virtuosity, and in particular the artifice that results in vivid lifelikeness is an instance. Using Gell’s theory to configure the social networks in which art works exert this particular variety of agency is very useful to identify the actors involved, the network of relationships in which the viewer becomes enmeshed, and the effects of agency on the viewer’s behaviour or beliefs. It thus helps to integrate the analysis of living presence response in a much wider range of anthropological and psychological enquiry."

Caroline van Eck, “Gell’s theory of art as agency and living presence response”
Universiteit Leiden


Exposição visitada
Francisco Tropa
Protótipos
Galeria Quadrado Azul, Lisboa
Até 18 de abril, 2015

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