domingo, 16 de dezembro de 2018

Beyond the gaze. Index before the prototype.

Manuel Casimiro
Estrutura de frutas e legumes, 1975
(vista da instalação/ pormenor)

This almost intimate exhibition of Manuel Casimiro seems a provocation.

In one of the gallery spaces, there are paintings on whose green, red, and black backgrounds, para-geometric shapes, lines, and even landscapes, are organized in a kind of polychromatic choreography over space and time. Is it an abstract painting? Is it figurative? Or is it just meta-art? They certainly make a deconstructive approach to representation and to that thing we call Art.

In another area of the exhibition, we come across a series of ‘photographies érotiques’, acquired by Manuel Casimiro in Portugal, but probably produced in France by the end of 19th Century. They epitomize the canons of voyeurism, of course. However, these ‘rectified ready-mades’, as Duchamp would call them, were approached by the so-called ‘casimirian’ ovoids, ceasing to be, as a consequence of this unexpected visit and metamorphosis, just copies of a collection of art in the era of its technical reproducibility (Walter Benjamin), thus retrieving the old authorship and the material uniqueness of the artwork — the one that results from the appropriation carried out by Manuel Casimiro, but also by the unknown author who ‘took’ photographs of equally unknown flesh-and-blood models.

The new originality has thus a double origin, two inscriptions and a reinforced certification, for which a photographer, an industry and a gesture of semiological displacement (‘casimiriana’) converged.

At a time when new forms of puritanism and aesthetic dictatorship lurk in the world of museums, advertising, and art, this metamorphosis of the prototypes of western eroticism at the dawn of Photography, triggered by Manuel Casimiro’s semiotic provocations opens a sweet perspective to what we really are and to what we know.

A different kind of appropriation though is the transformation of Gerard-Georges Lemaire’s book, “L’univers des Orientalistes” (2000), a luxurious anthology on Orientalist painters, into a new place for art making and for art seeing. Writing about this deconstruction a famous Duchamp title came to my mind:

“You take a picture by Rembrandt and, instead of looking at the painting, simply use it as an ironing board.”

Finally, on the floor of the gallery (Espaço Camões/ Livraria Sá da Costa, Lisbon), we can go back in time and see one of the most interesting artworks by Manuel Casimiro:

“Structure of Fruits and Vegetables” (1975).

An invisible orthogonal mesh whose intersections are occupied by tomatoes, potatoes, pears, oranges, and lemons, establishes a rare dialogue between space, matter and time, three archetypes that have long been disputing the top of the podium of philosophical precedence. This piece is perhaps his most assertive work on the impossibility of a strictly monistic view of the world. A kind of sensitive and mental proof that art has always been among us to demonstrate the gross error of any monism. Time, after all, commands the World, or ‘all that is the case’, according to Ludwig Wittgenstein formulation on his Tractatus Logico-Philosophicus: “Die Welt ist alles, was der Fall ist”. Natural beings, after passing away, still rot, serving as pasture to other living creatures, usually very small ones.

Emerging itself from all this, the ‘ovoid’, as Manuel Casimiro calls it, witnesses not only a mark of originality, not just a ‘difference’ congenial to that Structuralism that flourished in France in the 1950s, 60 and 70s, but above all something stronger and anthropological, born from the ‘casimirian’ impression. A glimpse that Alfred Gell would have called an ‘index’.

Casimiro’s ‘ovoid’ announces not only his presence as an author but also the presence of a freshly work of art, regardless of the landscape, ‘abstraction’ or ‘ready-made’ where it pops-up. In one sense, we can say that the ‘casimirian’ world is any place where his fingerprint, that is, the ‘ovoid’ slips in. When occupying someone else’s artwork or artwork simile the appropriation generates a second author: ‘the casimirian world’. In case of Casimiro’s artworks done from scratch, the ‘archeophany’ (Mackay, 2014) generated by the ‘ovoid’ also establishes a second artwork behind, or beyond the first one. In this sense, the ‘ovoid’ stays away from what could otherwise be perceived as a simple signature. Its autonomy and semiotic power work as a positive/negative marker that forces the spectator to a second movement towards perception and meaning.

Manuel Casimiro
Corps-langage, 1976


Para além do olhar, o índice precede o protótipo

Esta quase íntima exposição de Manuel Casimiro parece uma provocação.

Numa das salas dispõem-se pinturas sobre cujos fundos verdes, ou vermelhos, ou negros, formas para-geométricas e linhas, ou paisagens, se organizam numa espécie de coreografia, ou encenação, polícroma sobre espaço e tempo. Pintura abstrata? Pintura figurativa? Meta-pintura? Certamente uma abordagem desconstrutiva da representação e da coisa a que chamamos arte.

Noutra zona da exposição, deparamo-nos com uma série de 'photographies erotiques', adquiridas por Manuel Casimiro em Portugal, mas provavelmente produzidas em França no final do século 19, ou início do seguinte. Em si mesmas, correspondem aos cânones do 'voyeurisme'. No entanto, estes 'ready-made' 'retificados', como diria Duchamp, foram abordados pelos 'ovóides' 'casimirianos', deixando de ser, por causa desta visita e metamorfose inesperadas, exemplares de uma qualquer coleção da arte na era da sua 'reprodutibilidade técnica' (Walter Benjamin), instaurando deste modo uma espécie de reinscrição das autorias e da unicidade material da 'obra de arte': a que resulta da apropriação levada a cabo por Manuel Casimiro, e a do fotógrafo desconhecido que 'tirou' as fotografias dos modelos de carne e osso, igualmente desconhecidos. A sua originalidade passa deste modo a ter uma dupla origem, inscrição e certificação, para o que concorreram um fotógrafo, uma indústria e um gesto de deslocação semiológica ('casimiriana').

Numa época em que novas formas de puritanismo e ditadura estética espreitam o mundo dos museus, da publicidade e da arte, esta metamorfose dos protótipos do erotismo ocidental nos alvores da fotografia desencadeada pelas operações sintagmáticas de Manuel Casimiro abrem docemente um outro olhar sobre a origem, magmática, mas também oceânica, de tudo o que somos e conhecemos.

Uma apropriação diversa é a que resulta da transformação de livro de Gérard-Georges Lemaire, "L'univers des Orientalistes" (2000), um livro luxuoso sobre os pintores orientalistas, num novo lugar de inscrição do fazer arte e do olhar a arte: “You take a picture by Rembrandt and, instead of looking at it, simply use it as an ironing-board.” (Marcel Duchamp)

Finalmente, no chão da magnífica sala virada a Nascente do Espaço Camões da Livraria Sá da Costa, situada na Praça Luís de Camões, onde a Ocupart apresenta esta exposição iniciática de uma outra em preparação, com abertura prevista para 2019, pousa uma das obras mais intrigantes de Manuel Casimiro: "Estrutura de Frutos e Legumes" (1975). Uma malha ortogonal cujas interseções são ocupadas por tomates, batatas, pêras, laranjas e limões, estabelece uma rara relação entre espaço, matéria e tempo, três arquétipos que há muito se digladiam pelo topo do pódio da precedência filosófica. É porventura a sua obra mais assertiva sobre a insuficiência de uma visão estritamente monista do mundo. Uma espécie de prova sensível e mental de que a arte sempre esteve entre nós para demonstrar o erro crasso de qualquer monismo. O tempo, afinal, comanda a matéria. A Natureza, depois de morta, ainda apodrece, servindo de pasto a outras vidas.

Imiscuindo-se em tudo isto, aquele 'ovóide' — como lhe chama Manuel Casimiro — testemunha em toda a sua obra, não apenas uma marca de originalidade indelével, não apenas uma diferença semiótica congenial ao estruturalismo e à linguística que prosperou em França nas década de 50, 60 e 70 do século passado — influenciando os artistas do efémero movimento "Supports/ Surfaces" (Louis Cane, Marc Devade, Claude Viallat), e ainda mais os neo-minimalistas europeus do grupo BMPT (Daniel Buren, Olivier Mosset, Niele Toroni, Michel Parmentier) — mas sobretudo algo mais forte e antropológico, nascido sabe-se lá porquê e donde: a impressão 'casimiriana'. Um vislumbre a que Alfred Gell teria chamado, seguramente, 'index'.

O 'ovóide' de Manuel Casimiro anuncia, ao mesmo tempo, a presença de uma obra de arte e a presença do seu autor, independentemente da paisagem, 'abstração' ou 'ready-made' onde este entre. Em certo sentido, poderemos dizer que o mundo 'casimiriano' é o lugar onde a sua impressão digital, isto é, o 'ovóide', decide entrar. Frequentemente em obra alheia, que ganha novo autor por efeito da apropriação, mas também na obra própria que, por causa desta 'arqueofania' (Robin Mackay, 2014), acaba por se afastar também de Manuel Casimiro, ganhando a autonomia propulsionada pela força semiótica deste ovóide.

MANUEL CASIMIRO
Para além do olhar
11-30 maio, 2018, das 13h às 19h
Espaço Camões da Livraria Sá da Costa
Praça Luís de Camões, 22, 4º Andar, Lisboa

Curadoria: António Cerveira Pinto
Produção: Ocupart

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Joana 1, Serralves 0

Illustration by Paul Ryding for POLITICO

Uma artista síncrona com o seu tempo político e cultural


Joana Vasconcelos tem vindo a vencer a muralha de silêncio e piadinhas que erigiram contra ela. Desde que a conheço, não sei porquê, há uma elite indígena que detesta esta artista. Sempre vi nela uma profissional determinada, corajosa e comprometida com agendas ideológicas claras. Por exemplo, os direitos das mulheres, também nas artes. A antítese, portanto, dos artistas que pintam, fotografam e instalam por revista. Como artista prolífica que sempre foi, tem uma enorme produção. Peças como Sofá Aspirina (1997), Cama Valium (1998), o lustre construído com tampões de menstruação a que chamou A Noiva (2001-2005), a extraordinária Burka (2002) que vi ascender como Nossa Senhora ao teto do recém inaugurado MUSAC, e cair depois redonda no chão como uma puta apedrejada, Valquíria #1 (2004) e Pantelmina #3 (2004), Coração Independente Dourado (2004)—seguramente, uma das mais inteligentes, irónicas, e tocantes obras de arte produzidas na Europa na primeira década deste século—, a série Sapatos (2007-2010)—onde uma vez mais Gata Borralheira e Cindera dançam de forma sublime um sonho de mulher que a escritores como o pedinte literário António Lobo Antunes só pode mesmo distribuir socos—, e ainda a extraordinária Egéria (2018), da série Valquírias, expressamente pensada para o grande hall do Museu Guggenheim de Bilbau, entre outras, chegam e sobram para definir esta ainda jovem portuguesa nascida em Paris, como a mais importante artista do nosso país no primeiro quartel do século 21. Só falta saber porque carga de água, ou miopia de quem, o Museu de Serralves não viu o óbvio. Nunca dedicou uma exposição individual a Joana Vasconcelos, e a que no próximo mês de fevereiro irá ter lugar, depois de desalojar dois diretores da instituição (Suzanne Cotter e João Ribas), é o desfecho de um longo e silencioso combate que Joana venceu sem ruído e grande elegância. Mais grave ainda, o Museu de Serralves nunca lhe comprou uma obra de arte, até hoje. Agora, que tem menos dinheiro, e as obras de Joana Vasconcelos se cotizam sob a batuta de François-Henry Pinault, vai sair mais caro. Já agora, quantas obras comprou Serralves ao muito datado e nada original fotógrafo Robert Mapplethorpe? Quanto custou a centena e meia de aquisições da polémica exposição que ainda podemos espreitar neste museu portuense?

Joana Vasconcelos
THE VALKYRIE
Politico 
If you could reform one thing about the EU, what would it be?
“First I would change the fact that women don’t earn the same as men. I would make the human rights regarding women the first thing. Then I would change the politics toward immigrants.” 
Tell us something surprising about yourself.
“I’m an artist, but I could have been a karate teacher.” (She’s a 3 dan black belt.) 
What is the biggest loss the EU faces as a result of Brexit?
“The freedom of cultural speech and cultural movement. If we lose that we lose what makes us unique among the other continents.”

JOANA VASCONCELOS/JN: o Papa Francisco é atualmente a pessoa que mais admira e que poderia ter sido professora de Karaté, se não fosse artista. Acrescenta que gostaria de mudar os direitos dos imigrantes e das mulheres. E deixa uma declaração a propósito do Brexit: "Se perdermos a liberdade do discurso cultural, perdemos o que nos torna únicos entre os outros continentes." - Jornal de Notícias.


quinta-feira, 18 de outubro de 2018

radio_art rescued posts (2003-2004)

radio_art 

blogging on post-contemporary issues (edited and sometimes written by Antonio C-Pinto)

Monday, September 29, 2003

Process

Luis Brilhante shows new abstract paintings.

"The outcome should be more important than process" - Luis Brilhante.

17 mixed media paintings, with a Pollock flavor, but also with a techno drive in it. "Process" refers to a group of abstract, abrasive and luminous paintings. They are obtained after a systematic procedure. First, Luis Brilhante draws with his computer hundreds of traced black lines. After this first stage, some selected outputs are printed on white paper. Dozens of sheets are then embedded in the canvas thru a "collage" procedure. On top of this there is acrylic painting done in some kind of "action painting" fashion. The finishing level is done with a sander machine! The resulting pattern, well it looks to me like very poetic satellite pictures taken from some unknown battlefield. - ACP.

More at Quadrum
1:49:48 AM 

Monday, October 6, 2003

WSOA Wits School of Arts.

Johannesburg opens new art school.

Where are the hotspots of 21st century art? Well, I think they are not in New York, Los Angeles, Maastricht or London anymore. Places like Tokyo, Prague, Shanghai, Bombay, Istanbul, Porto Alegre, Buenos Aires or Johannesburg seem much more alive, thrilling and promising. On one side, we cannot expect nothing but the falling leaves of Western chic: bureaucracy, inside trading, conceptual cynicism and political hypocrisy. On the other side, sprouting like a mental ring, we foresee the vortex of another kind of creativity: less formalistic, less de-constructivist, more cooperative, and more constructivist (or, as I prefer, re-constructivist.) Networking is definitely better than genius!

Young interesting artists will stop flying to London and New York as they did in the last 60 years, nurturing the novelty and quality of so-called "Contemporary Art". It is time now for qewing to South America, Africa, Eastern Europe and Asia. Is this just another case of wish full thinking? I don't think so. Watch WSOA and it's new interdisciplinary blow. - ACP.

WSOA
4:48:53 PM

Sunday, November 2, 2003

Art speculation

Elipse Foundation

A 20 million Euros art fund will be launched by the Portuguese finantial institution Banco Privado Portugues (BPP) beginning next year. To enter this art fund you will have to spend a minimum of Euros 250.000. The fund will last 7 to 9 years. After this period of time the BPP will sell the entire collection to a Portuguese, Brazilian or Spanish art museum. Investors will have the option to either sell their titles accordingly to the economic evaluation of the art collection or to get tax exemptions by donating them to the final receiver of the artworks. Accordingly to Portuguese weekly magazine Expresso, Elipse Foundation will build a very ambitious international art collection. The BPP chairman, Mr Joao Rendeiro, will host the presentation of this project on November 10th at Fundacao Arpad Szenes-Vieira da Silva, in Lisbon. It will be interesting to know how much artists will gain from this engineering strategy. Will the European "droit de suite" apply to the final sell off (or donation) of the collected items? - ACP.

9:06:02 PM

Wet Dreams

Luis Herberto hardcore paintings

Quadrum Art Gallery, Lisbon.
November 06 - December 12.

"Wet Dreams" is a perfect example of a non politically correct art exhibition. It's not pornography but it's on pornography. It has not been done to excite people as porno sites do, but the paintings shown in this exhibition are all about female masturbation and female zoophilia.

Portuguese people are in this very moment going through a collective media catarsis about the moral issues surrounding sex practices and so-called sexual perversions. This is happening because several media jet-set people and politicians got envolved in a mega sexual scandal related to child abuse and paedophilia. Most Portuguese have been living in a real "reality show" during the last six months! And it will go on for the next one to five years ahead!

I have decided to show Herberto's paintings right now for a simple motive: child abuse and exploitation, as pedophilia, must be exposed and severely punished. But we must watch out all the moralists (usually right wing hipocrates) that will try to use this opportunity to atack democratic rigths and liberties in general, as well as the specific sexual liberties obtained during the last 100 years. - ACP.

more at Quadrum's site
5:47:05 PM 

Monday, May 03, 2004

France Cadet

'Leçons' at Quadrum Art Gallery (Lisbon).

Known by her robotic and bio-oriented new media art, France Cadet (French, 1971) produced in 2003 a series of 11 photographs of her own body playing a "dé-construction" of Aubade's advertising campaign. Actually a very provocative show, as it is, "Leçons" stands not only as an intellectual exercise on "de-construction", not only as an interesting feminine erotic perspective, but definitely as a sharp contrast with the persistent conservative ideology of Portuguese art. -- AC-P

France Cadet by France Cadet, and more.
12:02:58 PM 

http://radio-weblogs.com/0130374/2003/09/29.html

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Manifesto contra a indigência



No centenário de Amadeo de Souza-Cardoso


Primeiro-ministro anuncia programa a dez anos para comprar arte portuguesa António Costa considerou o timing da carta “oportuno”, em vésperas da entrega da proposta para o próximo Orçamento do Estado, e explicou que o ministro da Cultura, “no âmbito do reforço progressivo” do “orçamento limitado” para o sector, vai “criar um novo programa para os próximos dez anos de aquisição anual por parte do Estado de arte contemporânea” portuguesa, esperando que o valor inicial (300 mil euros em 2019) possa vir a aumentar gradualmente. E pediu a colaboração dos artistas plásticos para encontrar “uma forma clara, transparente” de constituir júris e comissões responsáveis por essas aquisições. — in Público, JOANA AMARAL CARDOSO 10 de Outubro de 2018, 20:06

Eu assinei esta carta aberta, desconhecendo se houve ou não jogo combinado. Seja como for, a pasmaceira e a manipulação do mundo indígena das artes plásticas acordou por um instante. As coleções privadas, como se sabe, sobretudo em países pobres e corruptos, acabam invariavelmente nos cofres do Estado. Em breve, os Mirós do ex-BPN, as obras da ex-Fundação Eclipse, do ex-BES, e até do próprio Museu Berardo (certamente mais tarde), irão constituir um apreciável acervo de arte moderna e contemporânea, a somar à coleção da falida Fundação de Serralves, bem como ao acervo do Museu Nacional de Arte Contemporânea—do Chiado. Falta agora tão só saber gerir estes fundos usando apropriadamente os edifícos do Estado, tais como o CCB, a Fundação de Serralves, e uma série de simulacros municipais de museus de arte contemporânea espalhados pelo país fora, que nasceram como operações imobiliárias, a que se seguiram buracos financeiros, inépcia curatorial, cretinismo burocrático que baste, e a eterna persistência das sinecuras para os boys e girls do regime. Antes de mais, é urgente cortar a endogamia e a máfia das artes plásticas pela raíz (a tal que se locupletou com o erário público disponível ao longo de décadas, através da captura de algumas instituições chave da pseudo-museologia portuguesa contemporânea). Sem isto, nada mudará, e haverá cada vez mais artistas sem saber como pagar a renda de casa ao fim de cada mês. Porque a do atelier, essa já há muito deixou de ser um problema...

Um abraço!

terça-feira, 4 de setembro de 2018

MAAT "saneia" Pedro Gadanho


Um desfecho esperado há já algum tempo. 


O que então não passou dum zum-zum tornou-se realidade. O MAAT é um conceito errado; museu de arte, arquitetura e tecnologia é uma espécie de albergue espanhol, ou, neste caso, mais propriamente, um saco de gatos. Outro erro crasso do projeto é a sua identificação canina com a EDP, uma ex-empresa pública oferecida ao senhor Xin Jinping, que tem abusado da sua posição dominante impondo aos portugueses a energia mais cara da União Europeia (em paridade do poder de compra).

A China não aprendeu em tempo o significado da expressão 'softt power', e já é tarde para aprender. Assim sendo, deixando a coisa entregue à corte indigente indígena, o mais provável é termos o João Fernandes à frente do MAAT depois dum embuste concursivo qualquer e de um curso acelerado de Mandarim. O problema das ditaduras, incluindo naturalmente as ditaduras culturais, é que entram em pânico com a concorrência, e morrem de medo da sua própria morte.

Post scriptum — Alguns amigos viram nesta crítica um ataque especialmente duro contra o trabalho de Pedro Gadanho no MAAT. Mas não é! Para evitar más leituras, aqui vai:
  1. O erro de Pedro Gadanho, que imagino ter resultado do colete de forças em que se viu metido, foi não ter exigido uma definição mais clara e coerente para o museu que a Fundação EDP viria a patrocinar. Faria todo o sentido que fosse um museu dedicado à energia, ou à tecnologia, ou um museu de arquitetura, pois não há nenhum no nosso país, estando, por outro lado, a menos de 500 metros do Museu Berardo, e a concorrer por um público cada vez mais escasso, contra a a Fundação Gulbenkian, o mausoléu da Caixa que também se dedica aos contemporâneos, e ainda contra o Museu de Arte Contemporânea do Chiado! Num país falido, em que os arquitetos sem emprego se dedicam cada vez mais ao design, às artes visuais e até à música, era de prever que um projeto a cavalo entre as artes plásticas e a arquitetura, não sendo uma coisa nem outra, não iria ter vida fácil, sobretudo quando os parcos recursos institucionais que sempre foram deixados aos artistas (exceção feita, claro, dos artistas do regime que sofrem da síndrome da cadeira de Salazar) começaram a ser comidos pelo lóbi dos arquitetos do regime e seus amigos, e quando os arquitetos em geral pensarão, com justeza, que um museu de arquitetura em Lisboa poderia ajudar a civilizar os autarcas e a educar os patos-bravos.
  2. Por outro lado, observando o modo de recrutamento dos administradores da Fundação EDP, como aliás da generaldiade das instituições clientelares do Estado português, seria de esperar que não houvesse, como não houve, não há, nem haverá, estabilidade numa instituição que, afinal, se alimenta de lucros excessivos na exploração dum bem tão essencial, como é a energia. As fundações tornaram-se no nosso país coisas desconfiáveis, sobretudo porque foram tomadas de assalto pela casta político-partidária que é o regime que hoje temos.
  3. Finalmente, mas é o menos importante, as grandes exposições temáticas do MAAT não me convenceram, apesar dos bem sucedidos projetos de João Onofre, Miguel Palma e Gary Hill.

Pedro Gadanho sai do MAAT em JunhoFundação EDP estendeu o mandato do director por apenas mais nove meses.
ISABEL SALEMA 3 de Setembro de 2018, 20:25
Público 
O arquitecto Pedro Gadanho vai deixar a direcção do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa, no final de Junho de 2019, anunciou esta segunda-feira a Fundação EDP, em comunicado. A fundação tinha a possibilidade de renovar o contrato com Gadanho, que termina agora em Setembro, por mais três anos. Porém, de acordo com o comunicado, "a Fundação EDP e o arquitecto Pedro Gadanho decidiram, por mútuo acordo, prolongar a colaboração do director do MAAT até ao dia de 30 de Junho de 2019", apenas mais nove meses. "Pedro Gadanho assegurará, assim, um período de transição durante o qual a Fundação EDP irá desenvolver os procedimentos necessários para a escolha do novo director do MAAT", acrescenta o mesmo comunicado.  
"Não vamos fazer mais comentários", disse ao PÚBLICO o director-geral da Fundação EDP, Miguel Coutinho, acrescentando apenas que o novo director poderá ser escolhido através de um concurso internacional. O período de transição permitirá também a Pedro Gadanho finalizar a programação já desenhada para 2019.

Atualizado em 6/9/2018 00:45 WET


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domingo, 2 de setembro de 2018

the new art fest '18


Introdução


Este blogue é um desejo, um programa provisório, e uma visão do festival deste ano.
The new art fest '18 tem o seu foco principal na arte eletrónica e digital americana, da Terra do Fogo ao Alasca. Considerámos o intervalo dos últimos 25 anos, durante o qual emergiu um fenómeno global chamado Internet.

Estabelecemos para tal uma cronologia subjetiva dos acontecimentos, e elegemos os autores e por vezes as obras que consideramos especialmente exemplares da metamorfose em curso.

As chamadas artes visuais de vanguarda de autores americanos começaram a mover-se em 1952 para fora dos seus enquadramentos materiais e disciplinares convencionais.

Assim foi com John Cage e a obra 4’ 33” no ano do meu nascimento, prosseguindo em 1961 com os métodos heurísticos de George Brecht. Edward Rucha, em 1962, Bruce Nauman, em 1965, Mel Bochner, Robert Smithson, Allan Kaprow, Robert Morris e Dan Graham, em 1966, Experiments in Art and Technology (E.A.T.), de Billy Klüver, Fred Waldhauer, Robert Rauschenberg e Robert Whitman, em 1967, Nam June Paik e Charlotte Moorman, e ainda Tony Conrad, em 1969, formam parte de uma geração que mudou para sempre a arte americana, abrindo paradoxalmente as portas à emergência de uma arte imaterial suportada por uma nuvem tecnológica, computacional, digital e rizomática que continua a expandir-se.

É depois nesta geração que a nossa história começa, saltando por cima de todas as regressões nostálgicas, especulativas ou simplesmente maneiristas e populistas que se lhe seguiram.

A história da era digital das artes está ainda por contar, e sobretudo por assimilar à luz de uma reforma profunda dos conceitos de ‘galeria’, ‘exposição’, ‘museu’, ‘obra de arte’ e ‘posse’ de uma obra de arte na era da sua radical desmaterialização, reprodutibilidade e derivação—uma era onde, por outro lado, a receção estética é modulada e alterada pelo público à medida das suas próprias expectativas, deixando a propriedade da arte de assumir a figura de uma posse possessiva.

America online & the net generation é uma das representações possíveis da arte pós-contemporânea, no sentido em que esta deixou de caber no espaço económico e arquitetónico tradicional da arte contemporânea.

Podemos ver a coisa como um ensaio online, com a sua hidra de links, de que os espaços físicos convocados mais não são do que outras tantas oportunidades para um diálogo IRL (in real life), quer dizer, como a mesa posta para um grande banquete de carne e osso.

Ao tornar público este blogue (the curator’s blog) estou, por assim dizer, a divulgar um manifesto cuja concretização no aqui e agora de um festival em Lisboa dependerá sobretudo da capacidade subjetiva, económica e institucional dos seus muitos protagonistas.

É caso para dizer, abram-se as portas do futuro anterior!

António Cerveira Pinto

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

I just LOVE THAT LAVA


Una Lee — great voice


UNA LEE - VOICE
RICARDO JACINTO - CELLO & ELECTRONICS
NUNO MORÃO - DRUMS & PERCUSSION

Recorded @ SCRATCH BUILT STUDIOS_Lisbon & SARC_Belfast.

terça-feira, 31 de julho de 2018

Anish Kapoor (abstraction)

Dirty Corner (2015) by Anish Kapoor, as it was.
Courtesy of the Château de Versailles Instagram @ Phaydon

Mother is a Mountain


—on Anish Kapoor and his search of darkness, by António Cerveira Pinto

As I realized looking closely at Lucio Fontana’s artworks, the same happened as I observed Kapoor’s objects: abstraction strategies in both artists are but a sublimation of man’s erotic phantasies about women in all its most vivid colors or dark reflexions. They both developed some of the sharpest, sometimes elegant representations of a very specific and pregnant generative duality: the sexual opposition and attraction of male and female.

(all words from Anish Kapoor’s James T. Demetrion Lecture)

material vs. non-material
the monad
I like models
nanotechnology
the blackest material in the Universe after the Black Hole
the interior is bigger than what’s outside
we are bigger inside
a hermaphrodite body on the ground/ a way of thinking
male and female forms
a form is negative and positive/ day and night/ male and female…
pigment
icebergs
poking out into conscience
what does it mean to make an object
all fiction/ complete lies
folly
art is all about illusion/ all about untruth
a kind of language
a trip to Japan…
Japanese garden/ what an extraordinary reality
ritual matters
most of the object is underground
the problem is, composition
not Caro
there is something beyond composition
Judd discovered something really important
I’m deeply interested in motherhood, of course
darkness
what does it mean to make an object that is really not an object?
so, darkness…
Adam
voided objects
non-object vs darkness, matters
not Brancusi
involution
a pregnant bump/ a fuzz on a wall
concavity has a curious history
convex mirror objects
concave mirror things do very weird things
they turn the world upside down
the mirror sublime
am I just doing Disney?
very big and very small/ it depends where you are…
big things are fascinating if they’re right if they get it right
what is art if it isn’t a wonder?
a kind of dismembered object
you can see that what I’m referring to, all the time, is the body
the work is always bodily, or body something
it needs a name…
I’m pretty convinced that artists don’t make objects/ we make mythological facts, realities, truths, whatever/ that have emotional replay… recall… whatever the word is
oppositeness
I’m interested in color as a ritual matter
I’ve no wish to illustrate anything/ I’ve no wish to say anything particularly
all forms good all forms work
dirty corner
and then Versailles!
a moment of darkness
she is sitting there
“Never waste a good crisis!”
a vortex that gurgles/

my add-on: vagina dentata

Three videos





sábado, 28 de julho de 2018

Orgulho e preconceito

Foto: Luis Tejido/EPA
Quando convidei a jovem Joana Vasconcelos para a Bienal da Maia, em 1999, sofri uma forte oposição de vários jovens artistas que insistiram na sua não inclusão na bienal. Incluí-a. Os que mais protestaram, no meu gabinete apenas, claro, não chegaram a durar como artistas... Goste-se ou não, é uma artista bem mais original e corajosa do que os Juliões e os Cabritas que continuam a preencher a paisagem indígena da chamada arte contemporânea.

GUGGENHEIM
PRESS RELEASE (pdf
Joana Vasconcelos. I’m Your MirrorJune 29—November 11, 2018
Dates: June 29—November 11, 2018
Curators: Enrique Juncosa and Petra Joos, Guggenheim Museum Bilbao
Sponsored by Seguros Bilbao 
- Through the construction of light-hearted yet strikingly direct images that refer to socio-political issues relevant to post-colonial, globalized and consumerist societies, Joana Vasconcelos addresses topics ranging from immigration to gender violence.
- Like an alchemist of daily life, the artist transforms the everyday objects and clichés of the consumer society into open artworks laden with meaning. 
- The exhibition includes previously unseen works like I’ll Be Your Mirror, an enormous Venetian mask formed by mirrors framed in bronze, and Solitaire, a gigantic engagement ring made from the wheel rims of luxury cars and glass whisky tumblers, thus combining some of the most stereotyped symbols of masculine and feminine desire. 
- Egeria, a work which spreads through the Atrium of the Museum like a plant made of different fabrics, colors, and textures, constitutes a metaphor for the occupation of museums by women. 
The Guggenheim Museum Bilbao presents the exhibition Joana Vasconcelos. I’m Your Mirror, a selection of thirty works produced between 1997 and the present day by the most internationally reputed Portuguese artist, including a site-specific installation for the Atrium of the Museum and various other new works. In this show, sponsored by Seguros Bilbao, viewers can submerge themselves completely in the universe of an artist with a direct and humorous vision of the world, whose work explains many of our society’s contradictions without any apparent effort.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Contra a pós-arte

Transformar os artistas em burocratas à cata de pós-graduações e pseudo projetos de investigação é chão que não deu, nem dará uvas.

Houve e há uma produção universitária excedentária de 'artistas', logo de desemprego. Em tempo de vacas gordas criou-se o cenário das pós-graduações como forma de mitigar a exposição crítica do fenómeno (excesso de licenciados sem capacidade de devolver o investimento neles realizado). Mas agora, com a falênca galopante dos governos, e os preços exorbitantes das pós-graduações (que não têm fim!), há um modelo que começa a morrer. É tempo de voltar ao ensino das Belas Artes baseado na pequena escala, no trabalho de atelier/oficina/workstation/seminário, e na relação mestre/aprendiz. A massificação é um embuste muito caro, que já ninguém está em condições ou disposto a suportar. É duro escrever isto, mas é o que temos...

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Maker Art 2018


Scratch Built

The New Art Fest '18 lança feira de arte tecnológica


Dando seguimento à ideia de promover, em cada edição The New Art Fest, lugar e tempo para o encontro de fazedores de arte tecnológica e os seus públicos e clientes (entre os quais se encontram artistas que não computam, mas que precisam da computação ;) iniciaremos no festival deste ano uma coisa a que chamámos Maker Art.

O conceito é auto-evidente, creio ;)

Para este efeito chegámos a acordo com a Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), a qual disponibilizará gratuitamente o seu grande salão durante uma semana (26-30 de novembro), para aí se instalar o Maker Art 2018, como um dos eventos The New Art Fest.

Neste espaço serão mostradas e experimentadas obras de arte, montadas bancadas de trabalho, e balcões de vendas de serviços (por exemplo cursos e workshops de computação e tecnologia), bem como uma dúzia de sofás velhos para conversar, combinar projetos, ou até realizar negócios!

Esta feira de arte tecnológica será ainda o lugar ideal para concertos e performances experimentais, demonstrações de hardware e software, e aulas espontâneas.

Será ainda o sítio ideal para anunciar novos projetos e trocar ideias.

A presença de artistas, tecnólogos, associações criativas e empresas de tecnologia é bem-vinda.

Uma das iniciativas previstas para este Maker Art 2018, é a instalação de um espaço dedicado à história dos videojogos, com recurso à emulação dos mesmos. Quantos videojogos foram criados até hoje? Tente adivinhar.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

The New Art Fest '18 - Call

Black Raven - The New Art Fest Award

Made in smartphone

The New Art Fest ‘18, Lisbon, November 2-30

OPEN CALL_1
You are terrified of your own children since they are natives in a world where you will always be immigrants. John Perry Barlow, 1996
Not only digital natives, also known as the Generation Z (1995-2009), use more smartphones than desktop/laptop computers and tablets. We all do! But if we look at what statistics say (Pew) than we’ll learn that post-millennials will probably spend most of their communication, social and creative time online. At least for now, smartphones are the most advanced convenient mobile device to interact with location-based media and mixed reality. It follows from here that asking for made in smartphone art seems only natural, don’t you think?

This is a call for art made for/with mobile devices—made by smartphones, made with smartphones, made for smartphones, or not. Smartphones are as open as any digital device can be. Any art proposal for this section of the festival should only take this new realm into consideration.

Twelve artworks will be selected for exhibition on everyone’s smartphone.

A prize committee will decide which of these twelve nominees will receive the Black Raven for the best artwork made for/with smartphones.

Contact: geral@ocupart.pt


Bit Street 2018

The New Art Fest ‘18, Lisbon, November 2-30

OPEN CALL_2

48 interactive displays @ TOMI Lisboa Smart City

Only original videos accepted. Artworks cannot publicly endorse any store, restaurant, brand, company or politician. Since these videos are primarily for public view on a street level, participants should consider this condition when submitting. Sexist, homophobic, xenophobic, racist and other offensive, or extreme-violent content will be automatically excluded. Nudity not allowed (TOMI’s policy).

Open call: non-anonymous artists, non-anonymous artworks

Deadline: September 30/ 2018

Venue: 48 electronic indoor and outdoor interactive street displays, Lisbon

Screening: November 2 thru 30 (24/7)

Only twelve artworks will be selected for public screening

No screening fees

Please include:

1) Your name
2) Country of origin
3) Phone, e-mail, website, social networks
4) Title
5) Brief description (max: 800 char)

Technical rider

TOMI (vertical screen)
-Duration: 10 seconds (TNAF credits: 2 seconds)
-Format: mp4
-Codec: H264
-Widescreen (16:9)
-Resolution: 1080 x 1920 px (Full HD Vertical)
-Bitrate: Up to 6 Mbps
-Size (max.): 100 Mb each spot

TOMI (horizontal screen)
-Duration: 20 seconds (TNAF credits: 2 seconds)
-Format: mp4
-Codec: H264
-Widescreen (16:9)
-Resolution: 1920 x 1080 (Full HD Horizontal)
-Bitrate: Up to 6 Mbps
-Size (max): 100 Mb each spot

A prize committee will decide which one of the twelve selected artworks will receive the Black Raven for the best TOMI short video.

Contact: geral@ocupart.pt

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Ouverture

Charlotte Moorman. Photo: Peter Moore, 1971.


The New Art Fest ’18
America Online
the media imperative & the net generation
Lisbon, November 2-25, 2018

More than seventy American-based authors
Twenty-two databases
Twelve labs
Sixteen social networks

It all started in Europe and America by the end of the 19th and beginning of 20th centuries and went on as almost parallel worlds since the end of the Great War (1914-1918). Asian influences entered Western visual culture, if not before, during Impressionism, and went deeper into American culture after the Second World War. This is a show about the fusion between art, life, and technology in the American continent, since the middle of the 1960’s. By and large, it is a database collage that can be explored as a ‘borgean’ labyrinth, or as the Mammoth Cave mapped by Patricia and William Crowther! Though a personal view, a manifold of possibilities is offered for study and interpretation. It is also an homage to the fundamental struggle of women artists for a fair place in the world of art and in the world of technology. I owe to Claire L. Evans a decisive bending in the investigation that supports the coherence of this curatorial work.

Antonio Cerveira Pinto

quinta-feira, 31 de maio de 2018

On The New Art Fest '18


Gazira Babeli. Second Soup. You love Pop Art - Pop Art hates you
Scripted cans, May 2006 [artist homepage]


When art becomes an emergent property of science, technology, and digital interaction


What happens to artworks when they become emergent properties of technology and databases and frequently stay dormant inside servers as deprecated software, or drown in dead links?

Welcome to The New Art Fest ’18!

I would love to have most of the following authors, and or their works in one big opening in Lisbon. If not all in real life, at least sharing their art and thoughts through screenings and online interaction. We have scarce resources. But very good will, indeed.

As an artist playing God, I should say that I have the curatorial obligation to at least point all The New Art Fest ’18 visitors to a much greater population of generators that were and are involved in digital art creation from Alaska to Tierra del Fuego.

This year’s festival, by its definition, refers to at least four hundred artists, maybe much more. That’s the consequence of dealing with immaterial stuff like bits and bytes and raising the question of how to deal with a form of art that is immaterial and stored in databases, servers, and online clouds. Just think about the number of agents (artists, writers, PhDs, technologists, software writers, designers, activists) inside the twelve repositories/websites that I've chosen to illustrate the unexpected and still obscure dimension of online art developed since 1994 in the American continent.

Not before a serious effort begins to address the complexity of this post-contemporary art emergence, all selective criteria adopted to show artists and artworks seem to be inappropriate. There are no museological criteria in place so far, as there is no market to speculate about online art values. Trade incapacity to deal with most of the new media art is a consequence of Walter Benjamin’s condemnation of art in the age of reproducibility. I might say though that before some software platform like Blockchain may certify the integrity and ownership of online art, the task of classification, description, and evaluation of what has been already created and generated seems devoted to deception.

The idea of scarcity when we talk about contemporary or post-contemporary art is a mystifying one. What we really have is too much subjectivity and too much art.

Shortening the demand to some happy few, as well as castrating curatorial criteria are not intellectually acceptable decisions. Electronic immersion dispises propaganda and overcomes censorship and manipulation by its inherent properties. Beware speculators of all time!

Curating a show like America online/ the media imperative & the net generation, about online art in America, is above all a meta-language about the facts of life and art in the computer age. The following is but a sample of hundreds of so many good artists and artworks born from the age of information...

— in the curator's blog/ The New Art Fest '18
(invitational only, for now)

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Conceptuais chineses no Guggenheim de Bilbao

Xu Zhen, "Rainbow" (1998)

Bienal da Maia '99, uma perda de tempo e feitio

Ninguém aproveitou a ponte que fiz com Xangai em 1999, graças à CM da Maia. Foi pena. Basta reparar no que a arte contemporânea chinesa veio a conseguir desde então, para tirarmos algumas conclusões sobre a dimensão das omissões cometidas pelos nossos galeristas, curadores, críticos de arte, professores e decisores culturais.

Entre os artistas selecionados para a antologia de arte chinesa conceptual apresentada pelo Guggenheim de Bilbao —Arte y China después de 1989: Theater of the World—, três estiveram na Bienal da Maia, em 1999: Ding Yi,  Xu Zhen, e Zhou Tiehai.

Foram estes os 19 artistas e designers de moda que selecionei em Xangai, alguns deles muito jovens, ou ainda estudantes:

  1. Chen Ming
  2. Chen Yanyin
  3. Ding Yi
  4. Feng Yaolin
  5. Hu Jieming
  6. Ji Wenyu
  7. Liu Ai Hua
  8. Long Mei
  9. Lu Zheng
  10. Pu Jie
  11. Shi Yong
  12. Wu Yiming
  13. Xu Zhen
  14. Xue Song
  15. Yang Zhenzhong
  16. Zhang Hao
  17. Zhang Xin
  18. Zhou Ming
  19. Zhou Tiehai

Arte urbana, o que é?

Graffiti by Banksy in the Israeli-occupied Bethlehem
Photo credit: Magne Hagesæter (2008) ~ Magne / Foter.com / CC BY-NC-ND (Link)

Arte na cidade e arte urbana. Confusão injustificada


Arqa — Contornando a redundância dos meros labels, acha que se pode encontrar uma definição actual para a “street art”?, ou, pelo menos, encontrar uma forma de reconhecer o que é “arte” no espaço público?

António Cerveira Pinto — Tende a haver uma confusão injustificada entre arte na cidade e arte urbana, ou street art. A arte na cidade, e nos edifícios que a compõem, existe desde que existem cidades, dos monumentos históricos que organizam praças e largos, às esculturas e pinturas que decoram os edifícios por dentro e por fora. A chamada arte urbana (street art) e a arte pública são, no entanto, coisa diferente da convivência entre a cidade e as artes da arquitetura, da pintura, da escultura, e as artes decorativas em geral (nomeadamente as manifestações de arte efémera que têm lugar, por exemplo, em festividades como o Carnaval, as Festas dos Santos na Cidade de Lisboa, ou as Fallas de Valéncia).

A emergência da street art e da public art deriva sobretudo daquilo a que poderíamos chamar uma reivindicação artística e democrática do espaço público face à sua exponencial privatização e ocupação comercial, nomeadamente pela indústria da construção imobiliária e da publicidade. Esta exigência crítica das artes face à expropriação do espaço público pelo Capitalismo é também uma resposta ao deserto artístico que caracteriza sobretudo as zonas residenciais urbanas e suburbanas que emergiram do pós-guerra, na década de 50 do século passado, e continuam a proliferar por esse mundo fora à medida que as populações migram aos milhares de milhões para as cidades.

O espaço público tem sido literalmente devorado pelo imobiliário residencial e pelas estradas por onde circulam os automóveis.

Raramente os poderes públicos conseguiram resistir à pressão especulativa imobiliária que faz com que cada metro quadrado de cidade se torne demasiado valioso (nomeadamente em receitas fiscais) para nele deixar crescer uma árvore, quanto mais uma obra de arte! Ou seja, os movimentos de arte pública e de arte urbana são movimentos de crítica a um estado de coisas inaceitável. E é enquanto movimentos críticos que são interessantes. Deixam de o ser quando são capturados por estatégias de consenso e cinismo políticos, transformamndo-se por esta via em mais uma diversão pirosa e populista da cidade.

Nalguns casos, sobretudo nos novos centros urbanos, a lógica da especulação imobiliária estende-se à especulação das artes, e assim, convidam-se os 'grandes artistas' e os 'grandes arquitetos' a posarem juntos, pousando as suas obras no espaço-ouro da cidade. Aqui retoma-se, por assim, dizer, o modelo antigo da harmonia entre a cidade e os seus monumentos, ainda que estes últimos já não celebrem vitórias militares mas, mais modestamente, na sua abstração ou formalismo, as grandes empresas e os grandes especuladores, em suma, o novo poder económico.

A relação entre arte, arquitetura, construção e especulação é de tal modo estreita que raramente vemos na cidade nova um monumento ideológico—e quando vemos, o mesmo é, regra geral, medíocre. Seja como for, quer os blue chips da arquitetura e da arte que merecem pisar o solo urbano mais valioso, quer as encomendas oriundas do populismo democrático a que são destinados espaços menos nobres ou os subúrbios, pequenas cidades, etc., correspondem ao que podemos em rigor chamar arte pública. Empreiteiros e políticos cedem aos arquitetos e artistas na medida em que estes últimos, ao resgatarem algum do espaço público para as artes, em vez de o deixar morrer na especulação financeira, o fazem em nome de um valor intrinsecamente público: o usufruto estético da cidade.

A beleza da arquitetura e da arte evanesce para lá do perímetro da propriedade, e como tal é coisa pública, ao contrário do betão, do metal e da borracha, que atravancam o que é de todos (commons) com o peso da mera propriedade.

Por fim, a arte urbana difere da arte pública, na medida em que a sua origem é distinta.

A arte pública é o resultado de um regresso às origens, ou seja, é uma arte civilizada, negociada, democrática, que acaba por superar as próprias expectativas financeiras dos empreiteiros e políticos, geralmente pouco cultos, ajudando a amenizar a violência urbana da própria especulação imobiliária.

Já a street art é uma coisa diferente. A sua origem está na própria marginalidade económica e estética que a cidade em explosão demográfica gera. É, por definição, uma arte ilegal, ou que prospera nos vazios da legalidade, nomeadamente municipal. Que se confunde frequentemente com a street fashion, o outro lado dos fashion catwalks. É também a pop culture que deu passo a Arte Pop, ou seja, a arte urbana é composta pelas emergências estéticas muito diversas da cidade e dos seus subúrbios, que existe por definição fora das academias tradicionais, dos museus e as galerias de arte convencionais, em suma, fora da caixa do consenso burguês pós-moderno. Quando esta espontaneidade estética orgânica das cidades se vê apertada pelas dinâmicas da desigualdade exponencial e da injustiça, transforma-se numa torrente imparável de graffiti e tags. Pretender domesticar esta torrente com doses de populismo barato é contraproducente, e gera um novo kitsch a que podemos chanar graffiti municipal.

Arqa — A arte urbana é individualista? Uma expressão singular, até hedonista, dos indivíduos, ou pode encerrar conteúdos colectivos para além das “tribos” urbanas?

ACP — A arte urbana é essencialmente uma arte partilhada pela tribos urbanas, locais e globais. Quer seja nas livrarias, em exposições de Manga, nas salas de tatuagem, e ações de graffiti, no Skate e no Surf, nos encontros e desfiles informais de moda urbana (Harajuku, etc.), ou ainda nas novas e sofisticadas galerias europeias de Kinbaku, a arte de amarrar um corpo humano suspenso.

Arqa — Existe uma dimensão ideológica e social no graffiti? Ou, pelo contrário, ele esgota-se na simples acção subversiva, underground?

ACP — O verdadeiro graffiti, e não as suas variantes pirosas consagradas pelo populismo político, é uma arte por definição subversiva, e como tal, política e socialmente pregnante. Na sua forma mais radical, críptica e destrutiva (tags) exibe propriedades muito semelhantes às pichagens políticas, só que programaticamente vazias. Há graffitis que são obras primas, mas na maioria dos casos não passam de exercícios de virtuosismo banal que não deixam rasto, embora sujem e danifiquem a propriedade. Por vezes, roçam mesmo a boçalidade cultural e a estupidez, e assemelham-se a formas benignas mas incómodas de terrorismo urbano. Quando alguns 'artistas' de graffiti resolvem passar a noite em Carcavelos a pintarem todas as janelas de um combóio obliterando literalmente a transparências dos vidros, obrigando assim os passageiros de classe média, de classe média baixa, ou de condição ainda mais modesta, a viajarem sem poderem ver o rio, o mar e o céu, a discussão deixa de se poder colocar no campo da arte, ou mesmo da anti-arte.

Arqa — A arte urbana é sempre subversiva? E até que ponto a subversão, como ideário artístico se articula com a mera expressão de signos individuais ou mesmo marginais do graffiti?

ACP — Não. A arte urbana pode ser subversiva, mas também submissa com aparência de subversiva. Nos casos subversivos, por não terem programa político que os distinga semioticamente do magma icónico da cidade, tendem a desenvolver estilos e a imitar. Mas como acima referi, a arte urbana é muito mais do que graffiti. Há, por exemplo, uma importante dimensão ideologicamente subsersiva na banda desenhada e no romance gráfico, ou no skate painting. Exemplos: Art Spiegelman, Robert Crumb, Banksy, Ed Templeton, Robert Williams, etc.

Arqa —Sabendo que o graffiti é ilegal em muitos sítios, o que pensa sobre os “tags”, os “bombings” , os “trains” e outras manifestações grafiteiras que utilizam a propriedade privada (em alguns casos com valor patrimonial) como suporte?

ACP — Sou contra. Defendo a repressão desta forma de terrorismo débil.

Arqa— Que relação se pode estabelecer entre a “street art” e a arquitectura? Existe alguma hipótese de colaboração entre estas duas disciplinas, ou acha que a “street art” é uma expressão autónoma, não compatível com normal perenidade da arquitectura?

ACP — Também há street architecture...

Arqa — A cidade é, podemos dizer, um poderoso meio de comunicação. Que futuro antevê para a “street art”? Continuará a ser um fenómeno urbano?

ACP — A street art veio para ficar e crescer. Um dia acabará por ocupar o espaço reservado às elites urbanas.


Nota: este texto foi originariamente publicado na revista Arqa nº 129 (2018).

domingo, 13 de maio de 2018

O vidro mágico

Axel Morin

Entre o líquido e o sólido na fotografia de Axel Morin


Palácio de Cristal, Londres, 1851 (img), The Home Insurance Building, Chicago, 1885 (img), Industrial Housing, Chicago, 1910-1930 — três dos principais marcos de uma trajetória que nada nem ninguém explicou melhor do que este anúncio de 1919: ”Aladdin Services: a complete home or a complete city”.

The Alladin Company, Bay City, Michigan (1906-1987), Wikipedia


Que têm em comum estes três ícones da cidade moderna? O vidro industrial.

O vidro é um material através do qual sou visto, e através do qual vejo, que deixa passar a luz, que queima a humidade e apaga os bolores acumulados nos espaços interiores, uma superfície omnipresente, mas que não deixa de se esconder na sua própria transparência.

O vidro que permitiu inundar de luz natural as cidades a partir de meados do século 19, começou por ser uma resposta à necessidade de diminuir os custos de iluminação em dezenas de milhar de fábricas e oficinas que trabalhavam dia e noite. Foi também uma maneira de ajudar a superar as crises sanitárias causadas pela ‘segunda revolução industrial’ (1870-1914), nomeadamente em cidades tumultuosas e com grande afluência de imigrantes, como Nova Iorque, Chicago ou Filadélfia. Desde que uma tal emergência gerou a oportunidade para a produção maciça de vidro aplicável em empresas e edifícios de habitação, nunca mais este misterioso material que nem é líquido, nem sólido, nos abandonou. O Pirex de 1908, o vidro superfino dos LCD dos atuais televisores, ecrãs de computador e ‘smartphones’, sucessivamente desenvolvidos por Clint Shay (1964) e pela Corning (1970-1980), passando pelas grandes lâminas de ‘float glass’ desenvolvidas pela Pilkington desde 1953-1957, e que recobrem a maioria dos centros de negócios das grandes cidades, ou os milhares de milhões de lentes utilizadas em óculos, binóculos, telescópios, microscópios, e objetivas para fotografia, cinema, video, testemunham até que ponto o vidro faz parte da vida moderna.

Mas se o vidro industrial foi sendo desenvolvido para podermos ver através de uma janela ampla o pulsar de uma cidade e o que se passa no prédio em frente ao mesmo tempo que o Sol inunda o interior de uma casa, um escritório, uma caixa íngreme de escadas, ou para dotar as lojas com as montras sedutoras que provavelmente inspiraram Marcel Duchamp a produzir o seu Grande Vidro, “La Mariée mise à nu par ses célibataires, même”, outros vidros, chamados lentes, foram extraordinariamente aperfeiçoadas desde finais do século 19, nomeadamente pelo famoso fabricante Carl Zeiss, com o objetivo de observar as estrelas mais distantes, os nossos intestinos, ou a matéria mais pequena, com sistemas oculares tão ou mais perfeitos que a visão humana.

À vista desarmada, sem a mediação transparente de um vidro mágico, a cidade e a arquitetura não podem ser completamente apreciadas, pois falta ao observador o enquadramento e o filtro adequados a um modo de percepção crítica e gozo estético que só a imagem filtrada por um ou mais vidros permite alcançar.

O vidro mágico é uma membrana ultra fina e cristalina de mediação simultaneamente especulativa e sensorial da realidade que nos rodeia.

Axel Morin

Esta será, aliás, uma possível explicação para o fascínio causado em todos nós pela fotografia, criada por um artista como Axel Morin, formada no interior do telescópio espacial Hubble, ou nascida numa ‘selfie’ modelada com os filtros do Snapchat e partilhada efemeramente entre vários amigos.

A produção industrial, nomeadamente de vidros para janelas e fachadas de edifícios, dramaticamente aperfeiçoada entre finais do século 19 e meados do século 20 (‘float glass’), retiraram a arquitetura do mundo das ‘belas artes’, transformando-a numa indústria de construção especializada no fabrico e instalação de máquinas de habitar complexas, articuladas entre si por meio de redes funcionais.

As redes de esgotos, água canalizada, gás e eletricidade, as ruas e as redes ferroviárias e rodoviárias, as redes de iluminação pública e de sinalização para peões e automóveis, as redes de telecomunicações, de logística e de distribuição comercial, as redes de frio, as redes de televisão, de hospitais, e de distribuição cinematográfica, etc., permitiram a passagem do urbanismo palaciano e militar, ao urbanismo democrático, contribuindo assim para a florescência da cidade moderna.

As cidades industriais, que se encheram de populações rurais e de imigrantes de todas as raças em busca do trabalho assalariado, sofreram um processo de densificação tremenda, primeiro na horizontal, depois na vertical, e finalmente através da expansão radial e conurbada.

Para encurtar as distâncias entre a fábrica, os entrepostos logísticos e comerciais e a cama, ou seja, entre a casa, o trabalho e o lazer, as cidades apertaram e viram encarecer não só a malha superficial da propriedade capturada para a construção de imóveis urbanos, como começaram rapidamente a expandir-se em altura e profundidade.

À medida que as redes ferroviárias se multiplicaram e as rodovias se encheram de automóveis, o tecido urbano estendeu-se na forma de subúrbios, cidades-satélite e contínuos urbano-industriais agregando cidades e inter-cidades. O espaço-tempo, isto é o preço da mobilidade, passou a determinar a extensão e a configuração das cidades, bem como a diversidade sociológica e cultural dos seus residentes e da sua população flutuante.

Grosso modo, o nascimento, expansão e maturidade deste paradigma antropológico dá-se entre 1870 e 1970 (Gordon, 2016), sendo particularmente cristalino nos Estados Unidos da América.

Este modo de vida foi o fruto de uma era de crescimento económico, demográfico e industrial muito rápido, sob o impacto do extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico europeu (séculos 18, 19, 20), e depois americano (séculos 19, 20). E assenta em formas revolucionárias de trabalho mecânico em larga escala tornado possível pelas máquinas a vapor, pela eletricidade, e pelos motores de explosão.

O carvão mineral e o petróleo são as principais fontes energéticas que possibilitaram este momento ímpar na história da humanidade. Porém, o esgotamento do petróleo e do carvão abundantes e de fácil acesso tornou os seus derivados industriais cada vez mais caros. Quem hoje consome produtos ricos em energia fóssil (por exemplo, adubos, pesticidas, gasolinas, alcatrão, plásticos, ou têxteis sintéticos) tem vindo a perder capacidade de aquisição, endividando-se, ou abrandando por este constrangimento o ritmo da procura dos derivados do petróleo, o que, por sua vez, tende a travar ciclicamente a pressão constante para o aumento do preço de um bem cada vez difícil de obter. Quem, por outro lado, produz derivados do petróleo e do carvão, assim como produtos com elevada densidade energética e petroquímica, tem vindo a deparar-se com custos de produção crescentes à medida que estas matérias-primas vão estando mais longe e a sua extração e transformação consomem mais energia. Ou seja, o preço de venda do petróleo tornou-se caro para quem o consome, barato para quem o produz, e tende a oscilar de forma especulativa nos mercados financeiros.

Esta escassez energética ameaça o futuro do crescimento e a paz nas cidades.

Axel Morin
Detroit, que vive há décadas um processo de decadência extrema, associada à falta de competitividade dos seus automóveis devoradores de gasolina, perdeu 60% da população de 1950 para cá, tornando-se uma cidade violenta, que acabou por declarar falência em 2013.

Desde 1998, mais de cinquenta cidades norte-americanas entraram em bancarrota e pediram auxílio estatal. O declínio demográfico tornou-se dramático em cidades outrora tão importantes, conhecidas ou míticas quanto New Orleans, Dayton, Scranton, Niagara Falls, Buffalo, Pittsburgh, Gary, Cleveland, Youngstown, e a já mencionada Detroit.

A criminalidade urbana tornou-se endémica. A população prisional nos Estados Unidos não parou de aumentar desde finais de 1970 até hoje.

Detroit, entre outros símbolos urbanos da América, foi retratada recentemente pelo fotógrafo urbano francês Axel Morin. Ao observar o seu trabalho sobre a decomposição dos símbolos do Sonho Americano, num projeto a que deu o título “Once upon a time in America” (2015), ficamos com uma certeza: o discurso oficial da cultura e as modas da arquitetura escondem um declínio dramático das cidades. Nas revistas de arquitetura, como nas revistas de arte e de moda, o mundo dos objetos criados por arquitetos, artistas e designers é habitado mais por quimeras rodeadas de retórica, do que pelas esquinas duras da realidade.

E no entanto, artistas como Axel Morin, tal como noutra época, Robert Frank, Larry Clark, Nan Goldin, ou Philip-Lorca diCorcia, conseguem mostrar ao mesmo tempo a realidade dura das esquinas, mas também os poemas que elas exalam. Porque será? Talvez os bons fotógrafos tenham aprendido a observar a vida através de vidros mágicos que não mentem, mas perdoam.

Andy Warhol ficou fascinado com a superficialidade repetitiva dos média, com a ausência de profundidade da imagem noticiosa que incensava ricos, famosos e poderosos. A morte de Marilyn Monroe, e a imagem condoída de Jacqueline Kennedy após o assassinato do seu marido presidente levaram-no a exaltar o realismo mediático nas suas famosas pinturas realizadas com serigrafia sobre tela. A primeira destas obras — Marilyn Diptych (1962) — produziu-a pouco tempo depois do desaparecimento da estrela de cinema, em 1962. Warhol realizou depois mais de trezentas obras com imagens de Jacqueline Kennedy capturadas em jornais e revistas um ano depois do assassinato do presidente americano, a qual ocorrera curiosamente um ano depois da morte misteriosa de Marilyn. Em todas estas imagens repetidas, a realidade que deixara de ser realidade, para ser notícia, sobre-exposição, hiper-realidade, tornar-se-ia, na sua deslocação em direção ao universo da pintura, um novo index da figuração artística.

Daqui a muitos anos que distinção faremos ao comparar as imagens da revista Time com as pinturas de Andy Warhol? Quando observo as fotografias de Axel Morin, mostrando uma realidade que é, afinal, tão democrática quanto a morte mediática de uma estrela de cinema, ou a biografia plástica de uma dama presidencial de luto, a questão crítica e antropológica sobre a natureza e a finalidade da arte na cidade moderna parece-me todavia por resolver. Não subsistem, porém, quaisquer dúvidas sobre a realidade intempestiva dos misteriosos cristais que abriram em nós uma nova perceção do mundo.


Bibliografia

Amy Newson, “Capturing the real essence of New York’s underbelly”, Dazed (2016)
Axel Morin. axelmorin.tumblr.com/ axel-morin.squarespace.com/
Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jorgen Randers William W. Behrens III, The Limits to Growth. (1972)
Gordon, Robert J., The Rise and Fall of American Growth: the U.S. standard of living since the Civil War. (2016)
Murray, Charles, Coming Apart: the state of White America, 1960—2010. (2012, 2013)
Pamela Engel and Rob Wile, “11 American Cities That Are Shells Of Their Former Selves” [American Cities in Decline], Business Insider, Jun. 26, 2013, 10:57 AM


NOTA

Este texto foi originariamente publicado na revista Arqa nº 127 (2017)

quinta-feira, 3 de maio de 2018

ARCO Lisboa, um problema de ética institucional

Carlos Farinha. Pintura.


A intolerância perante a figuração pós-tecnológica é inaceitável



As obras dos artistas Carlos Farinha e Rui Serra valeram a Portugal ser dos poucos países representados na edição deste ano do Art Beijing, uma das mais concorridas feiras de arte organizadas na China, que terminou hoje. DN

A galeria Arte Periférica, com sede no Centro Cultural de Belém, pode participar no Art Beijing, mas não pode entrar na ARCO Lisboa: um evento de escassa afluência, altamente subsidiado pelo erário público português e que é, sem margem para dúvidas, uma intrusão muito discutível da ARCO Madrid no 'nosso' mercado e na esfera própria das instituições de arte lisboetas e portuguesas. Percebo que os espanhóis queiram penetrar e se possível dominar o mercado de arte na região atlântica do sul da Europa, América e África lusófonas. Não percebo, porém, o comportamento dos decisores públicos do meu país.

A ARCO de Madrid, em Lisboa, conta com apoios diretos consideráveis da República Portuguesa, da dgARTES (Ministério da Cultura), da Câmara Municipal de Lisboa (e da EGEAC), da Fundação EDP (mecenas), da Fundação Millennium BCP, etc., e ainda de apoios indiretos vários, como os decorrentes das compras realizadas e a realizar pelo Museu de Serralves, entre outros. Alguém consegue imaginar uma ARCO de Madrid assim, em Barcelona? Eu não! 

O lóbi local dominante da chamada arte contemporânea exerce há décadas um boicote e uma censura institucionais contra vários artistas portugueses, nomeadamente contra a artista Joana Vasconcelos—que pode expor no Palácio de Versailles, no Palácio da Ajuda, na Bienal de Veneza, ou em breve, no Guggenheim de Bilbao, mas não pode expôr no Museu de Serralves, nem na Culturgest, verdadeiros santuários de intolerância estética onde continuam a pontificar aves raras como os artistas Julião Sarmento e Pedro Cabrita Reis, ou curadores e críticos com várias pernas, como Delfim Sardo e algumas criaturas ainda mais insignificantes. Que tal expor de uma vez por todas esta escandalosa situação? Ou mesmo sugerir uma comissão de inquérito parlamentar à ética das instituições do Estado português, ou dele dependentes, que operam na chamada arte contemporânea? Existem regras? Quais?


Zeng Fanzhi. Mask Series N.5


Vendo o que foi a ARCO Madrid ao longo das décadas, ninguém em seu bom juízo consegue explicar os critérios de acesso, convite e de censura descarada praticados pelos organizadores da ARCO Madrid em Lisboa. A prepotência polida é evidente. O chega pra lá endinheirado é insultuoso, especialmente nos tempos que correm, e especialmente entre os artistas que desesperam por uma procura que não chega, como se o acesso às artes precisasse cada vez menos das obras materiais e se bastasse com as suas evanescências virtuais. Quem decide, compra e vende, afinal só especula, e em geral não sabe o que faz. Daí a necessidade de um debate democrático sobre estas coisas.

Não morro de amores pela pintura de Carlos Farinha, como também não aprecio especialmente embora entenda boa parte da pintura chinesa contemporânea. A arte chinesa passou a valer milhões porque a China de hoje vale biliões. Foi sempre assim o mercado das artes e a especulação em geral. Mas o meu gosto, neste caso, é irrelevante, e acima de tudo não me dispenso a curiosidade de saber quem são estes artistas, porque pintam como pintam, e porque chegam a um significativo número de pessoas e mercados. Numa era tão marcada pela comunicação visual, pela caricatura e pela ilustração, pelas famosas gravuras japonesas das não menos famosas imagens do mundo flutuante (Ukiyo-e), pela banda desenhada, pelo anime e pela manga, pelos desenhos animados, ou pelos efeitos especiais e pelos emoticons, nada mais natural do que a pintura pós-contemporânea, japonesa, chinesa ou portuguesa traduzirem um renascimento da figuração humana e natural no campo das chamadas artes plásticas, ou visuais. No caso da China, é sobretudo a pintura que recupera o universo budista da representação, e não vive apenas dos epígonos da arte moderna ocidental (Pop, Conceptual, etc.), a que mais relevância e afinal originalidade possui. Também são as obras de autores portugueses como Joana Vasconcelos, Pedro Zamith, ou os gémeos Carvalho, Daniela Viçoso, e ainda Carlos Farinha, que nos situam na verdadeira paisagem artificial que hoje nos engole. Não é pois acidental que tais artistas atraiam tantos fãs. E que, na China, como no Japão, estas manifestações de uma arte low brow sejam afinal responsáveis por uma economia de  milhares de milhões. Em Portugal, pelo contrário, o peso de uma cultura palaciana preguiçosa e burocrática continua a emperrar a economia e a história, empurrando estes geradores frenéticos de imagens para a semi-clandestinidade. Só assim se percebe que as pinturas chinesas pós-contemporâneas valham o que valem, e as nossas, quase nada.

Em contraponto gritante à retórica pós-conceptual dominante nos corredores do poder artístico local, o regresso da figuração à arte pós-tecnológica que se faz em Portugal, nomeadamente na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, deve-se muito, creio, ao professor Carlos Vidal. Nesta torrente da figuração pós-Pop, devedora de um indisfarçável fascínio pela manga japonesa e pela indústria benjamininana da imagem, nomeadamente das que se movem e são geradas por computador, há de tudo, bom e mau. Mas o que não deve haver é uma censura desta emergência criativa genuína por parte das elites provincianas.

Esta é uma discussão que vale a pena ter, num tempo em que a estética se tornou omnipresente, mas já não é propriedade privada dos fariseus que confundem arte com mistérios de cozinha, ou de filosofia. 


Carlos Farinha numa conta do Pinterest