segunda-feira, 21 de março de 2016

Vamos Pôr a Cultura no Lugar Certo?


Ofereci 12€ ao MNAA para comprar um quadro de Domingos Sequeira


A menção que acompanha o meu gesto simbólico é esta: Para os que fazem e para os que protegem as artes, não para os que delas se servem.

Quem vai pagar os 60-80 milhões da teimosia de meia dúzia de burocratas e de meia dúzia de populistas da casta partidária que temos, pelos famosos Mirós do BPN que ninguém viu, nem avaliou? Os contribuintes do costume, certo? Este cacau perdido, cujos responsáveis ninguém conhece, daria para tirar os museus nacionais da indigência em que se encontram. Já alguém pensou nisto?

A passagem da anterior secretaria de estado da cultura cor-de-laranja a ministério cor-de-rosa significou uma duplicação dos gastos em gabinetes, ou seja, em burocratas e clientela partidária.

Esta despesa inútil teria sido certamente suficiente para comprar os pixels em falta na campanha 'Vamos Pôr o Sequeira no Lugar Certo'. No entanto, lá veio o peditório de quem tem o cinto de segurança partidária bem apertado aos que não sabem se terão emprego, ou empresa, no próximo mês.

Não só a fatia da Cultura no Orçamento de Estado de 2016 diminuiu em termos absolutos (João Soares e o seu Ministério têm menos 44 milhões de euros do que a Secretaria de Estado que foi de Jorge Barreto Xavier), como em termos relativos coloca muitos problemas: o orçamento dos gabinetes duplicou em relação à gestão anterior, devorando ainda mais um orçamento já de si miserável, e fizeram-se previsões de receita imprudentes, como no ICA—Instituto do Cinema e do Audiovisual, que poderão deprimir ainda mais a realidade da disponibilidade orçamental anunciada.

Será que a Cultura precisa dum ministério, ou a coisa resolver-se-ia simplesmente com alguma modernidade institucional, estratégia, boa gestão e certamente mais dinheiro? Afinal, continuamos a milhas dos famosos 1% do Orçamento (teriam que ser 600 milhões de euros em 2016).

A Geringonça não trouxe, nem mais dinheiro, nem mais esperança à Cultura indígena, pois vai andar por aí a cortar fitas com 0,29% do OE2016 no bolso. E resta saber com que transparência e incumbências à albarda.

Estados Unidos da América, Reino Unido, Alemanha, Suíça, Japão não têm ministérios da cultura.

Será que a pujança cultural destes países perdeu alguma coisa com tal pecado? E será que Portugal ganhou o que quer que fosse em manter esta ficção burocrática e autoritária no cada vez mais escanzelado modelo francês de inspiração napoleónica decadente?

Entretanto, o estilo caceteiro impera, sem ideias, sem projetos, sem uma noção de política cultural.

É extraordinário que depois do bota abaixo no Parlamento, na comunicação social, nos blogues e por aí fora, a propósito do dinheiro disponibilizado para a Cultura no tempo em que Jorge Barreto Xavier era secretário de estado de Pedro Passos Coelho, agora toda a Esquerda (não a minha!) e quem a apoia estejam silenciosos e furtivos que nem ratos perante o desastre ambulante que lhe sucedeu.

A DGArtes, por exemplo, tem menos 700 000 euros este ano. Ouviram algum pintor, algum escultor, algum fotógrafo, ou algum 'investigador' protestar? Chama-se a isto medo da Esquerda e estupidez. Só a esta falta de luz se pode louvar quem na Esquerda faz mal, e deixar de valorizar quem no Centro ou na Direita fez melhor.

É a tímida democracia que temos? Ou somos todos, afinal, indigentes e corruptos?



Para patrocinar um pixel e assim ajudar a comprar a A Adoração dos Magos, de Domingos Sequeira, para o MNAA, basta seguir este LINK

quarta-feira, 16 de março de 2016

Marta Mestre no Inhotim

Pavilhão de exposição na margem de um dos lagos do centro de arte contemporânea do Instituto Inhotim, Belo Horizonte, Brasil. Instalação de Tunga.
Pavilhão de exposição na margem de um dos lagos do centro de arte contemporânea do Instituto Inhotim, Belo Horizonte, Brasil. Instalação de Tunga.


Há museus a mais e estão cheios de obras de arte. Tempo de produzir pensamento crítico e convocar a comunidade


A crise chegou a todo o lado. O exemplo do que sucede nos chamados países emergentes, como o Brasil, Angola, ou a China, agravou o choque anteriormente vivido nas velhas democracias ricas e culturalmente avançadas da América e da Europa. Há um excesso de capacidade produtiva (criativa, no caso das artes), um excesso de obras de arte (que a subida dos preços imobiliários torna incomportável manter em reserva) e, em contraposição, menos dinheiro para produzir, menos dinheiro para expor, menos dinheiro para promover, e até um certo cansaço das velhas formas de consumir.

Na metamorfose em que estamos desde o início deste século, multiplicam-se aflitivamente as vítimas colaterais, o downsizing é geral, anseia-se por alternativas e novas ideias. Talvez, como lucidamente propõe Marta Mestre, seja o momento de produzir pensamento crítico. O pequeno paraíso criado pelo empresário mineiro Bernardo de Mello Paz, onde um extraordinário acervo de arte contemporânea convive com a arte da paisagem, talvez seja um dos lugares mais apropriados para promover um grande passeio filosófico sobre a razão da arte, e o tempo que aí vem. Marta Mestre será certamente capaz de ali convocar o pensamento crítico de que fala.




REFERÊNCIAS

Portugal e Brasil

VPF: Portugal e Brasil aparentam continuar distanciados, e os anos sucedem-se. Não me parece difícil verificar que o distanciamento cultural entre os dois países é um prolongamento da visão impossível do ‘fado tropical’! Na tua opinião “o que é que Portugal não tem” para se compatibilizar integralmente com o Brasil?

MM: O que Portugal não tem eu não sei..., mas eu costumo dizer que são dois países que falam a mesma língua, mas não conversam a mesma linguagem. Precisamos de nos traduzir mutuamente... Aliás, esse seria um bom exercício de curadoria, mais do que procurarmos as afinidades.

in Entrevista a Marta Mestre realizada por Por Liz Vahia e Victor Pinto da Fonseca | ARTECAPITAL


Nova curadora: ‘Caminho de Inhotim é produzir conhecimento’

por Audrey Furlaneto

“Em dez anos, Inhotim consolidou sua vocação: é um grande museu, majoritariamente ocupado por instalações site-specific, que propõem a relação arte e natureza em projetos de grande escala. O espaço que se abre agora é o de adensamento crítico, de tentar produzir algum conhecimento e criar conexões teóricas, para que Inhotim não se reduza a um megaprojeto de artistas consagrados.” A avaliação é de Marta Mestre, recém-nomeada curadora de Inhotim, ao lado do americano Allan Schwartzman e do alemão Jochen Volz.

Aos 35 anos, Marta foi indicada ao cargo e passou por um processo de seleção até ser anunciada, na semana passada, a curadora in loco do megamuseu no interior de Minas — Schwartzman vive em Nova York e Volz, em São Paulo. A portuguesa, radicada há seis anos no Rio, tece um discurso pouco estridente para o museu em que tudo é grandioso — a área de Inhotim equivale à de 300 campos de futebol, e seu orçamento é de R$ 42 milhões ao ano.

Discreta, Marta não alardeia a criação de novos pavilhões nem a compra de obras ou a construção de projetos de escala espetacular. Defende que o momento do megamuseu é, agora, de “produção de pensamento crítico” [...]

in O Globo, 16/03/2016 6:00 / Atualizado 16/03/2016 11:23


Marta Mestre/ Bios

Portuguesa. Vive e trabalha no Rio de Janeiro onde é curadora assistente no MAM Rio. Graduada em História da Arte [Universidade Nova de Lisboa, 2003] e Cultura e Comunicação/ Museologia [Université d’Avignon, Paris, 2005]. Faz crítica de arte e publicou em Arte y Parte (Santander), Dardo (Santiago de Compostela), Arte Capital (Lisboa), Concinittas (Rio de Janeiro). Coordenou o Centro de Artes de Sines [Portugal, 2005-2008] onde fez a programação de artes visuais e artes de palco, e foi curadora das exposições (seleção): A situação está tensa mas sob controlo [Artecontempo, Lisboa, 2005]; Estado de Atenção, [Casa da Cerca, Almada, 2010]; Terceira Metade [MAM RJ, 2011]; Rodrigo Souza Leão [MAM RJ, 2011], Novas Aquisições 2010-2012. Col. Gilberto Chateaubriand [MAM RJ, 2012]; É uma das curadoras do projeto Imago/Ymago que edita em Portugal os autores J. Rancière, Didi-Huberman, V. Stoichita, H. Belting e Aby Warburg.

in Fórum Permanente


Instituto Inhotim

O Instituto Inhotim é a sede de um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do Brasil e considerado o maior centro de arte ao ar livre da América Latina.
[...]

O Instituto Inhotim abriga um complexo museológico com uma série de pavilhões e galerias com obras de arte e esculturas expostas ao ar livre. O surgimento do Inhotim no cenário das instituições culturais brasileiras tem como marca, desde o início, a missão de criar um acervo artístico e de definir estratégias museológicas que possibilitem o acesso da comunidade aos bens culturais. Nesse sentido, trata-se de aproximar o público de um relevante conjunto de obras, produzidas por artistas de diferentes partes do mundo, refletindo de forma atual sobre as questões da contemporaneidade.
Inhotim é a única instituição brasileira que exibe continuamente um acervo de excelência internacional de arte contemporânea.

Graças a uma série de contextos específicos, Inhotim oferece um novo modelo distante daquele dos museus urbanos. A experiência do Inhotim está em grande parte associada ao desenvolvimento de uma relação espacial entre arte e natureza, que possibilita aos artistas criarem e exibirem suas obras em condições únicas. O espectador é convidado a percorrer jardins, paisagens de florestas e ambientes rurais, perdendo-se entre lagos, trilhas, montanhas e vales, estabelecendo uma vivência ativa do espaço.

Mais sobre o Instituto Inhotim

quarta-feira, 2 de março de 2016

Lamas saneado do CCB



Já nem cuidam da forma


Texto corajoso e indispensável de Raquel Henriques da Silva sobre a tomada de assalto de um pobre ministério, o da Cultura — hoje com menos 44 milhões de euros do que no tempo da tão vilipendiada Secretaria de Estado da Cultura dirigida por Jorge Barreto Xavier.

Menos mal que o Bloco de Esquerda sentiu este abuso de poder como o que foi e é: um abuso de poder descarado. Veremos o que sairá deste abcesso partidário de seita.

Direito à indignação 
RAQUEL HENRIQUES DA SILVA 
Público, 29/02/2016 - 01:15
Decidi tomar posição para exprimir a minha profunda indignação pelo modo como António Lamas tem sido enxovalhado.
Por estes dias, tenho estado na expectativa de que a discussão do orçamento de Estado pudesse ser momento adequado para que o Ministro da Cultura (MC) enunciasse as linhas mestras da estratégia política para um sector que, há mais de uma década, não tem linha de rumo consistente. 
[...]
Compensando a ausência do que mais interessaria, o MC tem-se desdobrado em declarações sobre dois tópicos, especialmente mediáticos: a decisão “incontornável” de que “os Mirós” vão ficar em Portugal e a extinção da Estrutura de Projecto para a gestão conjunta do eixo Belém-Ajuda. Neste caso, foi-se percebendo que o MC visou também (ou sobretudo?) afastar António Lamas da direcção do CCB, para ser substituído por “alguém com experiência, bastante mais jovem, com provas dadas, nomeadamente ao nível de responsabilidades públicas num ministério” (Público on line 26 Fev.). Já antes, o Ministro se referira a Lamas como “alguém que não tem legitimidade democrática, que é metido por razões disto ou daquilo” (Expresso, 20 de Fev.).
É com desgosto que refiro este linguajar trauliteiro, infeliz num ministro da nação e, mais, naturalmente, no Ministro da Cultura. Não pretendo neste momento pronunciar-me sobra a extinção da Estrutura de Projecto e sei que, em caso de conflito de personalidades como é o caso, um Ministro dispõe de legitimidade de demitir. Mas decidi tomar posição para exprimir a minha profunda indignação pelo modo como António Lamas tem sido enxovalhado, fazendo tábua rasa do facto incontornável de ele ser um dos mais brilhantes e dedicados gestores culturais em Portugal a que o nosso património muito deve.
Gostaria de perguntar ao MC (que tanto apreciou o Museu Grão Vasco, modernizado pelo arq. Eduardo Souto Moura) se ele sabe que foi António Lamas (sendo Secretária de Estado da Cultura, Teresa Gouveia) que, no final dos anos de 1980, delineou e pôs em movimento a modernização não só do Museu Grão Vasco mas do Museu Soares dos Reis, do Museu de Aveiro, do Museu de Évora, do Museu do Abade Baçal, do Museu Nacional de Arte Contemporânea, convidando para o efeito arquitectos como Fernando Távora, Alcino Soutinho, Hestnes Ferreira, António Portugal e Manuel Maria Reis e Jean Michel Wilmotte, abrindo assim o mais extraordinário período de obras de requalificação dos museus portugueses de todo o século XX. Que envolveu (saberá o Ministro?) o projecto do próprio CCB que nunca existiria sem o rasgo e a determinação do então Presidente do IPPC que tantos contestaram como inútil e faraónica obra que escondia a cenografia estadonovista dos Jerónimos!
Mais recentemente, antes de chegar à direcção do CCB, Lamas foi (saberá o Ministro?) presidente da empresa Parques de Sintra, Monte da Lua que, sob a sua direcção, passou de um organismo inútil (estou a ser benevolente) para a mais inovadora experiência de gestão cultural em Portugal, traduzida em factos: a valorização do Castelo dos Mouros e envolvente, a renovação museológica e museográfica do Palácio da Pena, o restauro integral do Palácio de Monserrate e do Chalet da Condessa de Edla, a aquisição de novas propriedades, o restauro e renovação dos jardins, matas e florestas. Não pense o Ministro (ou os eventuais leitores) que exagero: basta ir e fruir o estado presente daquele património notabilíssimo. E se os proventos das bilheteiras e das lojas galoparam, em função de exponencial crescimento dos públicos, não é possível, como pretenderam alguns, falar de opções mercantilistas: nunca, como a partir de António Lamas, aquele património foi estudado, conservado, ampliado e valorizado.
A minha indignação assenta, portanto, na inaceitável atitude de um recém-chegado Ministro que ainda não provou nada, para com um homem que, há mais de trinta anos, vem servindo com raro brilhantismo e respeito pela coisa pública, o património português. Esta notável herança tem de ser considerada e, mais propositivamente, seria, para qualquer político avisado, um repto para pensar o futuro. Porque, não tenha qualquer dúvida o Ministro, e a estranha equipa que o rodeia, que urge ter ideias, estratégias e linhas de acção, aproveitando, com projectos complexos, inovadores e fundamentados, as parcerias que o Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior tem vindo a propor, neste caso com uma consistência que nos enche de esperança.