quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Fábula com aparência de ensaio

Ada Lovelace com 20 anos (pormenor)

ANTÓNIO CERVEIRA PINTO


Introdução



Este artigo pretende mostrar como a evolução dos museus de arte se encontra num processo de integração cibernética com a nova galáxia do conhecimento que se expande no éter sub-atómico. Máquinas de Turing, servidores, bases de dados, redes neurais artificiais e redes sociais, autómatos e robots, realidade mista, gémeos digitais, inteligência artificial, computação quântica, entre outros fundamentos teóricos, estruturais e operativos da era pós-contemporânea, começaram no fim do século passado a tarefa benigna de absorver o mundo humano e os seus habitats, de que os museus de pedra e betão e as suas coleções fazem parte, num estado de pós-humanidade em que a sobrevivência do planeta e da maioria das suas espécies dependerá sobretudo da nossa capacidade de aceitar uma tragédia dos comuns regulada não apenas por Gaia, mas também pela nova Inteligência Universal a que os deuses tradicionais deram lugar. O museu será, finalmente, La Mariée mise à nue

O futuro dos museus passará, em minha opinião, por abraçar a galáxia de Marshall McLuhan.

Não é a reprodutibilidade técnica que remove a aura de uma imagem, mas a sua colonização pelo modo de produção capitalista. Só quando a realidade simbólica se rende ao princípio do prazer instantâneo que define o consumo conspícuo da mercadoria, é que a famosa aura—quer dizer, o mistério, a voz dos antepassados, os andaimes da aprendizagem e a presença indescritível do que não sabemos, mas sentimos e pressentimos—é atirada ao caixote do lixo das modas incessantemente reproduzidas pelo comércio omnipresente das coisas e suas representações desenhadas para morrerem cedo. A ideia difusa e frágil que rodeava os anjos morreu numa praia de especulação. Se alguma instância social pode ainda ajudar a humanidade a religar-se, reencontrando uso, saber e humildade na sua própria imaginação, essa instância, ao contrário do que preconizou Walter Benjamin, é e será a tecnologia.

The Smithsonian Collections Search Center is an online catalog containing most of Smithsonian major collections from our museums, archives, libraries, and research units. There are 13.5 million catalog records relating to areas for Art & Design, History & Culture, and Science & Technology with over 3.1 million images, videos, audio files, podcasts, blog posts and electronic journals. (1)

O homem evoluiu como um animal tecnológico. São as técnicas saídas da sua imaginação e não as representações culturais dos nossos fantasmas que permitiram a sobrevivência e o progresso da humanidade. As religiões e as filosofias, quando livres de fariseus e comércio, servem como crítica da certeza, remédio para a arrogância e banquete para conversas intermináveis. São, por assim dizer, o contraponto da nossa vitalidade, o deserto onde o tempo tece pequenos quintais de sabedoria.

Sem este preâmbulo seria mais difícil introduzir o tema deste artigo: as nossas próteses computacionais, a digitalização do mundo, e como tudo isto alterou a vida dos museus.

Afirmo que é o aparecimento da propriedade privada que força as comunidades humanas a desenvolverem a aritmética e a escrita, para assim poderem marcar, medir, avaliar e registar as suas casas e terras. Só assim foi possível assegurar, sob a forma de um arquivo fiável, a memória oral das confrontações dos terrenos e das transmissões de propriedade. Os historiadores surgiram, numa primeira existência sincrética, como escrivães, e mais tarde, como cronistas, tendo por missão fixar as memórias e guardar os documentos que explicam, justificam e legitimam a configuração do presente, das suas cidades e campos, dos seus atores e costumes, redes e poderes. Esta organização de memórias, para não ser contraditória, nem excessivamente ficcional, ou demasiado tendenciosa, teria que ancorar as suas descrições, narrativas e teses, em registos de nascimento, de casamento e óbitos, éditos, leis, sentenças, tratados, testamentos, papéis comerciais, razões contabilísticas e outros documentos; mas também na memória material disponível—lugares, caminhos, túmulos e monumentos, ruínas e achados, objetos quotidianos e simbólicos; e ainda na memória imaterial dos personagens, povos e civilizações estudadas— as suas vidas, tradições, linguagens e representações simbólicas. Os arquivos, bibliotecas e museus nasceriam, a pouco e pouco, de forma dispersa e acidentada, como guardiães desta memória coletiva (mas também das expansões imperiais e coloniais…) que ajudaram e ajudam a construir e preservar, acomodando como puderam e podem, a evolução ideológica e metodológica das filosofias da história. No século 20, porém, os museus foram chamados a desempenhar também funções de autenticação de autorias e de legitimação cultural de autores e obras de arte que entretanto circulam dentro e fora dos museus como mercadorias preciosas e objetos de especulação. A própria designação “museu de arte contemporânea” testemunha o anacronismo.

Fazer dos museus, arquivos e coleções de arte, acompanhados de catálogos, livros e revistas, fotografias, filmes, discos de vinil, bobines de fita magnética, suportes digitais diversos, e mais recentemente, domínios na Internet, levaram estas instituições a percorrerem três etapas de inovação ao longo de uma longa existência de quase 2500 anos: registos de entradas e saídas de obras, registos de compras, doações e depósitos, etiquetagem, catálogos e outras memórias em papel, acompanhados ou não de imagens; arquivos em microformas (microfichas e microfilmes), iniciados nos anos 20 do século passado; e desde 1993, o desenvolvimento de uma extensão desmaterializada dos próprios museus projetando a sua plena acessibilidade através de tecnologias cada vez mais sofisticadas de codificação, organização, representação e distribuição de informação, onde se incluem as próprias obras de arte que entretanto se tornaram compatíveis, migraram, ou nasceram nos novos universos tecnológicos de produção, recolha, transmissão e partilha de dados. Estamos perante um caso evidente de evolução tecnológica. Os museus que não puderem dispor dos meios, ou a quem forem negados os meios, para conseguir este salto quântico em direção aos novos ambientes de consumo colaborativo, acabarão por definhar penosamente no meio deste admirável mundo novo.

Arte e novas tecnologias, 1986


Em 1986, em colaboração com um arquiteto amigo da Corunha, convenci o município local a transformar uma estação de autocarros desativada num centro de arte e novas tecnologias. O ano 1987 (3) chegaria depressa, e com ele uma colorida revolução gráfica chamada Amiga 2000. A Internet pública estava ainda a sete anos de distância, e o Macintosh 128K era um recém nascido preto-e-branco com três anos de idade. Na realidade, a singularidade que iria mudar o mundo teve uma gestação prolongada. Mais importante do que o Maio de 68, em Paris, duas epifanias tecnológicas anteciparam o mundo em que hoje estamos embebidos:

—The Demo, uma conferência proferida por Douglas Engelbart, a 9 de dezembro de 1968, sobre a revolução informática mundial provocada pelo aparecimento dos “computadores pessoais”, cuja democratização esteve sobretudo ligada ao desenvolvimento de interfaces intuitivas de uso e interação, como o famoso rato que acompanha os teclados, os links, e os ambientes de navegação por ícones.

— às 22:30 do dia 29 de outubro do ano 1969, a primeira comunicação entre dois computadores distantes entre si: o SDS Sigma 7 host computer, situado na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), e o SRI SDS 940 host computer, situado no Stanford Research Institute (SRI). Através duma linha telefónica as máquinas comunicaram por breves momentos. A primeira mensagem a ser enviada pelo Interface Message Processor da UCLA deveria ter sido “log”, e a resposta do SRI, deveria ter sido “in” [LOG IN], mas o SDS Sigma 7 ‘crashou’, e apenas conseguiu transmitir duas letras: “lo”. Assim nasceu, com um congénito sentido de humor, a Internet: “lo” de low, ou de “hello”!

Na Europa as coisas andavam mais devagar. O Centro de Artes y Nuevas Tecnologías morreria no labirinto enigmático da política, dando sucessivamente lugar a dois museus de boa arquitetura, essencialmente orientados para o espetáculo empacotado do conhecimento.

Museu Virtual, 1995-97


Regressado a Lisboa, fundei em 1994 a Aula do Risco, focada no desenvolvimento de estratégias de criatividade. Desta lavra, e para o que importa ao tema deste artigo, saiu uma ideia que acabaria por produzir o primeiro CD-ROM interativo e generativo criado em Portugal. Chamou-se Museu Virtual, tendo sido desde o início imaginado como um projeto colaborativo, heurístico, iniciático, e prototípico, com o objetivo último de preparar o nosso meio artístico para a transição digital. Quando o Museu Virtual começou a ser concebido e programado, no outono de 1994, a Internet era ainda uma criança, lenta e com poucos adeptos. Daí a opção por um disco portátil preparado para PC com sistemas operativos Microsoft Windows. A recolha de dados, biográficos, fotográficos e audiovisuais da arte portuguesa da segunda metade do século 20 constituiu uma das tarefas principais do programa de trabalho. Mas duas outras fizeram, com igual importância, parte do CD-ROM: a proposta de construção de um parque de arte e tecnologia, e a programação dum mundo virtual habitável, apto para a interação com obras de arte generativa, suportado numa base de dados, e apoiado por um laboratório de investigação e desenvolvimento. O apoio da assembleia municipal de Montemor-o-Novo a este projeto, e obviamente do então presidente da câmara, Carlos Pinto de Sá, fez chegar esta ideia à CCR do Alentejo, onde viria a morrer por causas político-partidárias. Convém lembrar aqui que o famoso mundo virtual, Second Life, só seria publicamente lançado em 2003.

Esta fraca visão estratégica acabaria por empurrar o esforço dos investimentos públicos para a chamada arte contemporânea (um conceito validamente posto em causa por Lyotard), dando por aqui lugar à promoção imobiliária de museus insustentáveis, e coleções instantâneas rapidamente obsoletas. A concomitante desvalorização do impacto das novas tecnologias na criação artística, na constituição e organização de acervos, e sobretudo no desenvolvimento de novos públicos, colocaria a Europa, à exceção talvez da Alemanha e da Holanda, numa posição pouco competitiva face aos grandes inovadores americanos. A cultura pós-contemporânea, que também pode ser vista como uma forma de eternidade, é formada por atores-rede (Callon, Latour, Akrich), autores-máquina e consumidores colaborativos. Existe, pois, uma nova ecologia cultural, global, a que os velhos museus de arte contemporânea e as velhas escolas de arte terão forçosamente que se adaptar.

A segunda cidade, 2016


Os videos da chamada arte vídeo são "new media"? A minha resposta é a mesma desde 1994: não, a designação "new media art" remete para o domínio das novas tecnologias de computação e correspondentes linguagens informáticas; para o paradigma da desmaterialização digital; e para o mundo online. Remete ainda para uma praxis artística tecnologicamente forte, estimulada por aproximações desconstrutivistas ao protótipo artístico (Gell), através de estratégias do tipo “data mining”, “bending”, “glitch”, “reengineering”, “retrofitting” e “post-Internet”. A arte nascida em computador, ou deste criticamente dependente, é uma arte nova, que ambiciona passar o Teste de Turing. A new media art é a maneira como os objetos de arte emergem de uma tecnosfera produzida e habitada por ciborgues e atores-rede.

Quando o número de obras de arte pós-contemporânea ultrapassar o número de obras de arte moderna e contemporânea, qual será o lugar da new media art na maioria dos museus que conhecemos?

Imaginemos, por um momento, uma segunda cidade em cada cidade. Uma cidade de dados que se abre à nossa curiosidade, crescendo organicamente com a cidade de pedra e cal. Esquinas que recitam Pessoa, bancos de jardim que conversam connosco, relvados que impedem a sobrepopulação de pombos e cães, árvores que cantam, etc. Estas computações criativas são o território natural dos artistas. No entanto, como estamos a falar já não de obras imateriais dispersas pela cidade, mas de lugares onde as artes vão ter com cada um, o grau de complexidade torna a tarefa de qualquer conservador de museu um desafio que, não sendo impossível, requer, recursos distintos daqueles que hoje fazem parte das metodologias, conhecimentos e meios materiais ao dispor da museologia estabelecida. Os museus tenderão, pois, mais cedo ou mais tarde, para uma ciber-museologia.

Museus quânticos?


A era pós-digital, ou hiper-digital, vem aí. Até ao momento, as máquinas conheceram apenas dois estados físicos (On/Off), e os computadores, dois estados lógicos (0/1). Nos processadores de 8 bits, cada byte  é formado por 8 bits, mas à medida que a velocidade eletrónica dos mesmos (ciclos por segundo) aumentava exponencialmente, os computadores passaram a operar sobre sequências digitais mais compridas, de 32 bits, e 64 bits. Quanto mais rápidas forem as operações, e mais dados forem transportados, melhor a qualidade dos gráficos, dos sons, dos vídeos, bem como das comunicações no interior das máquinas, entre máquinas, entre pessoas e máquinas, entre pessoas-máquinas, e entre atores-redes. A progressão e a expansão desta nova condição de ciborgue tem sido extraordinária. Não só as redes 5G irão em breve permitir o processamento de quantidades astronómicas de dados, melhorando a qualidade das nossas comunicações online e dos nossos mundos virtuais, como o aparecimento da computação quântica quebrará a lógica binária do sim ou não. Uma porta pode estar aberta ou fechada, mas também aberta e fechada ao mesmo tempo, tal como o hipotético Gato de Schrödinger é um vivo-morto enquanto não satisfizermos a nossa curiosidade! A chegada desta nova singularidade computacional vai ter enormes consequências sobre a criação, a produção e o consumo culturais, e portanto sobre os museus que no futuro irão acomodar esta evolução da realidade.

KiBA—Knowledge-intensive Based Art


A arte continuará a ser uma manifestação da subjetividade concreta, como um dia a definiu um físico português chamado Egídio Namorado. Aquele momento em que a voz do poeta emite sons estranhos e dissonantes, palavras que rimam, ideias paradoxais, movendo-se em transe no meio da tribo que o escuta e observa em silêncio, será sempre distinto das linguagens de comunicação, da gnoseologia dos filósofos, da lógica dos matemáticos, ou das leis do universo procuradas com resiliência e método pelos cientistas. No entanto, à medida que o conhecimento se expande e democratiza, e as linguagens e tecnologias do nosso quotidiano florescem e se tornam mais sofisticadas, não posso deixar de pensar no incremento cognitivo das artes—como se o conhecimento fosse mais uma paisagem, mais uma experiência. Os índices e os protótipos designados por Alfred Gell na sua visão antropológica da arte, como antes os estudos meticulosos de Andre Leroi-Gouhran sobre arte enquanto expressão subjetiva do crescimento cognitivo-motor da espécie humana, apontam nesta direção.


Notas


  1. Smithsonian Collections Search Center
    LINK http://collections.si.edu/search/about.htm
  2. BOB DUGGAN, “Is the Future of Museums Really Online?” (27 January 2015)
    “Technology is a great enabler of arts creation and participation. In 2012, nearly three-quarters of American adults — about 167 million people — used electronic media to view or listen to art, and large proportions of adults used electronic media to create music or visual art.”
    LINK https://bigthink.com/Picture-This/is-the-future-of-museums-really-online
  3. Este artigo foi encomendado e originalmente publicado na Revista de Museus #02RM, lançada a 13 de novembro de 2019. Por falha minha, na referida Revista, no capítulo Arte e novas tecnologias, 1986, onde se lê: “O ano 2007 chegaria depressa”, deve ler-se: O ano 1987 chegaria depressa.


quinta-feira, 6 de junho de 2019

What breastfeeding has to do with art?



“Families in the US currently must choose between nursing their babies and paying their rent.”


Make the Breast Pump Not Suck Hackathon is a good example of how collaborative contemporary art is finding new progressive ways to be a welcome partner of post-contemporary societies.

Catherine D’Ignazio, a.k.a. kanarinka is a scholar, artist/designer and software developer whose work focuses on data literacy and feminist technology. She is also one of the driving forces of a case for breastfeeding innovation.

As the website of this peculiar Hackathon states, “The US is one of only three nations worldwide without paid parental leave. The other countries in this club are Papua New Guinea and Lesotho. Women’s return to work outside the home is the leading factor for early weaning. Most US work environments do not provide material or policy-based support for breastfeeding women, including parental leave, flexible schedules, on-site daycare, breaks and spaces for nursing and pumping.”




“The 2018 MIT Make the Breast Pump Not Suck Hackathon and Paid Family Leave Policy Summit convened 250+ collaborators from diverse backgrounds to create better products, programs, policies, and systems to support breastfeeding and pumping with a focus on equity. The dynamic event featured a multimedia art exhibit, a Baby Village to support young children at the event, and an Innovator’s Gallery with start-ups and big businesses.

Watch the documentary by Elizabeth Gray Bayne below to learn more about our values, approach, and the community. Share the video with #breastfeedinginnovation.”

Make the Breast Pump Not Suck 2018 - Official Documentary from Engagement Lab on Vimeo.

Community Innovation Program


“Leading up to the 2018 Hackathon at the MIT Media Lab, we are supporting four Community Innovation teams from Boston, Detroit, New Mexico, and Tupelo. Each team, consisting of talented innovators and passionate advocates for low-income families in their communities, will work to articulate problems in their communities and to kickstart local innovations.”




Speaking Our Truths


27 Stories of What It’s Really Like to Breastfeed and Pump in the United States—download a PDF of the book.

Make the Breast Pump Not Suck: 2019 Update

quinta-feira, 30 de maio de 2019

A vida é bela!


“...working with photography’s weaknesses alongside its subjective descriptive strengths is a challenge I enjoy.” Stephen Gill

A melhor maneira de hoje organizarmos o nosso conhecimento artístico e prazer estético passa por sabermos organizar as redes sociais de que mais gostamos. Por exemplo, o Instagram. Seguir, por fascínio e prazer, os autores que descobrimos em cada manhã que passa, e que febrilmente exploramos ao fim do dia, seguindo as suas obras, mas também os seus gostos e escolhas, é uma nova forma de amar a arte e de crescer ao seu lado.

Seguimos obviamente alguns museus, galerias e publicações que admiramos, as quais, por sua vez, retribuem, com a ajuda da inteligência artificial, sugestões e informações sintonizadas com as nossas preferências. A árvore do conhecimento online cresce rapidamente. Quando menos esperamos (na verdade estamos sempre à espera destes momentos!) surgem as surpresas, a descoberta, o amor à primeira vista. Foi o caso esta manhã, quando vi, pela primeira vez, as fotografias de Stephen Gill no Instagram.

Há muito que não encontrava um autor tão livre de estereotipos, tão naturalista, ou, o que o mesmo, tão capaz de nos devolver uma visão espontânea, inteligente e viva das coisas simples e eternas que nos rodeiam e fazem felizes. Num tempo tão marcado pela incerteza e pela paranóia narcisista, arejarmos a vista diante das histórias contadas por este fotógrafo inglês, é uma bênção.

António Cerveira Pinto


Stephen Gill (born 1971) is a British experimental, conceptual and documentary photographer. Books are a key aspect to Gill’s practice. 
Gill is a British photographer, who mainly draws inspiration from his immediate surroundings of inner city life in East London and more recently Sweden with an attempt to make work that reflects, responds and describes the times we live in.
His work is often made up of long-term photo studies exploring and responding to the subjects in great depth. 
[...] 
In January 2003 Gill bought a Bakelite 1960s box camera made by Coronet for 50 pence at Hackney Wick Sunday market, near where he lived. The camera had a plastic lens, and it lacked focus and exposure controls. 
Over the next four years he had used the camera to photograph within the extremely varied environment of Hackney Wick, including waterways and allotments; and to make portraits of people at the Sunday market and who lived and worked in the area. 
The subject parameters to this long-term obsession were geographical rather than conceptual. 
The lack of image clarity that the plastic camera offered aligned very much with Gill’s frame of mind at the time. As such images seemed to deny information, but somehow managed to retain a heightened sense of place and allow the images to breath without forcing a point. 
Wikipedia

Stephen Gill (b. 1971, Bristol, UK) became interested in photography in his early childhood, thanks to his father and interest in insects and initial obsession with collecting bits of pond life to inspect under his microscope. 
“Stephen Gill has learnt this: to haunt the places that haunt him. His photo-accumulations demonstrate a tender vision factored out of experience; alert, watchful, not overeager, wary of that mendacious conceit, ‘closure’. There is always flow, momentum, the sense of a man passing through a place that delights him. A sense of stepping down, immediate engagement, politic exchange. Then he remounts the bicycle and away. Loving retrievals, like a letter to a friend, never possession… What I like about Stephen Gill is that he has learnt to give us only as much as we need, the bones of the bones of the bones…” 
Iain Sinclair

Stephen Gill homepage

terça-feira, 30 de abril de 2019

Maker Art 2019 - manifesto

André Sier, performance espontânea interativa

Maker Art é simultaneamente um fablab de arte e tecnologia digital (A&T), e uma feira de obras de "new media art" em fase de projeto, ou já realizadas. O new media art é, por outro lado, um novo capítulo, muito diversificado e por vezes complexo, da arte atual, ao qual falta todavia o reconhecimento institucional devido, a museologia apropriada, os incentivos públicos imprescindíveis, e um mercado essencialmente dirigido a colecionadores.

Maker Art é provavelmente a primeira feira de ideias e obras de arte centrada nas relações entre arte e tecnologia. Os chamados nativos digitais têm hoje entre 20 e 26 anos, quer dizer, boa parte dos mesmos é licenciada ou frequenta estudos superiores. O seu perfil cultural e estético foi portanto marcado por uma espécie de pós-contemporaneidade cultural e artística, cujo traço dominante é a fragmentação das noções e experiências do espaço e do tempo.

Faz, pois, todo o sentido ir ao encontro de uma geração para quem cultura e tecnologia formam uma evidente simbiose. Desconsiderar esta hipótese só poderá agravar a crise de públicos culturais, nomeadamente no setor das artes plásticas, numa economia da atenção cada vez mais competitiva e sofisticada.

Aos principais atores culturais—museus e outras instituições artísticas, governos, poderes municipais, colecionadores e mercado—propomos, pois, que aceitem o desafio de proteger e potenciar o futuro do binómio A&T na tecnosfera em plena aceleração, que é a de todos nós.

António Cerveira Pinto
30 de abril de 2019

domingo, 17 de março de 2019

Leonor Antunes, Graça Fonseca e a Bienal de Veneza

O populismo é um fruto podre do maniqueísmo identitário


Cuidado com a hipocrisia das esquerdas, e com a misandria!


Este comentário à polémica suscitada pelas afirmações da artista Leonor Antunes, cuja participação na Bienal de Veneza, como representante do país chamado Portugal, saúdo, foi suscitado por um escrito sibilino de Eduardo Pitta no Facebook sobre este mesmo assunto.

Transcrição

INSCRIÇÃO — Numa altura em que, acerca do estado do mundo, em geral, e da situação política portuguesa em especial, ninguém sabe o que pensam os artistas, os escritores e os intelectuais portugueses com visibilidade mediática, este statement de Leonor Antunes, a artista plástica escolhida para representar Portugal na Bienal de Veneza deste ano, é eloquente: 
«A situação no mundo é bastante triste, com países que se estão a tornar regimes fascistas e populistas. Se tivéssemos um regime diferente, de direita, eu nunca teria aceitado o convite. [...] A situação que vivemos é muito grave. Vivo em Berlim, o governo não é assim tão desinteressante, mas a extrema-direita está no parlamento e era uma voz até há muito pouco tempo proibida, digamos. Sou uma estrangeira que vive em Berlim e não são esses os valores que quero dar à minha filha. Se estivesse o PSD ou o CDS no governo, eu não aceitaria. Embora sejam partidos democráticos, defendem valores em que não acredito.» 
Leonor Antunes está muito acima do patamar partidário, não havia necessidade, mas a frontalidade (a inscrição) é de louvar. 
Passou-se isto durante a conferência de imprensa em que foi anunciada a sua escolha entre dezasseis artistas a concurso, doze homens e quatro mulheres, escolha feita por um júri constituído por Cristina Góis Amorim, Nuno Moura, Catarina Rosendo, Jürgen Bock e Sérgio Mah. 
A Direita já começou a dar pinotes. Nuno Melo exige a sua cabeça: «Tem que ser substituída.» Nonsense. Barreto Xavier esperneou. 
Leonor Antunes tem 47 anos, vive em Berlim desde 2005, e obras suas fazem parte das colecções de museus importantes em vários países: Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Brasil, México e Estados Unidos. Em Portugal pode ser vista na Gulbenkian e em Serralves. 
O trabalho que vai apresentar em Veneza, «Uma costura, uma superfície, uma dobradiça e um nó», será exposto no Palazzo Giustinian Lolin, exposição comissariada por João Ribas, antigo director artístico de Serralves. (1)

Quem é Leonor Antunes?

“Leonor Antunes é uma artista plástica de origem portuguesa [sublinhado meu] radicada em Berlim desde 2005.” (2)
“Leonor Antunes (Lisboa, Portugal, de 1972) es una escultora portuguesa que reinterpreta en sus esculturas el diseño de objetos, detalles arquitectónicos y obras de arte moderno.” (3)

Renunciou Leonor à nacionalidade portuguesa? Era bom esclarecer esta dúvida e acertar as versões publicadas na Wikipédia e noutras publicações (como, por exemplo, as tabelas da Coleção Daimler).

Pedro Cabrita Reis. Estátua do Doutor José Vieira de Carvalho, Presidente da Câmara da Maia, 2003.
Foto: CMMaia

Outras incongruências

“In 1944, almost half of Daimler Benz’s 63,610 Daimler Benz employees were civilian forced labourers, prisoners of war or concentration camp detainees.” (4)
Em 1999 convidei Leonor Antunes para participar na Bienal da Maia. Aceitou e participou, muito bem. O edil da Maia, à época, era um notório político de direita: José Vieira de Carvalho. Esta espécie de pater familias fora deputado à Assembleia Nacional no tempo de Marcello Caetano. Esteve depois preso, às ordens do Comandante da Região Militar Norte, entre 11 de março e 25 de novembro de 1975, acusado de ser um dos ativistas (de extrema direita, claro) do ELP /Exército de Libertação de Portugal. Já em plena liberdade e gozando de todos os seus direitos, foi eleito em 1979 presidente da câmara municipal da Maia, onde permaneceria até morrer, em 2002. Pedro Cabrita Reis erigiu-lhe uma estátua!

Admito que à época Leonor Antunes não estivesse tão politizada como hoje. Afinal, ainda não emigrara para Berlim. Mas foi na Alemanha que a sua obra entrou na Coleção Daimler, sediada em Estugarda, sucessivamente em 2008 e 2014 [Wikipédia e art.daimler.com]. Não lhe suscitou então—pergunto— nenhuma dúvida moral entrar na coleção de arte de um gigante industrial cuja deplorável colaboração com o regime hitleriano é bem conhecida, já para não invocar a sua tremenda pegada ecológica?

Leonor Antunes. Balfron tower (uncertainty and delight in the unknown), 2007
brass screen, brass lamp, wall sculpture (brass, electric thread), floor work
Curtain: 168 x 268 x 1 cm; wall object: 193 x 290 x 2 cm; lamp: 65 x 65 x 20 cm
Acquired in 2008
Daimler Art Collection


Ou ainda, parecerá bem a Leonor Antunes as suas colaborações com o Museu de Serralves, sendo esta instituição pública resultado de uma ideia posta no terreno pela social-democrata Patrícia Gouveia enquanto secretária de estado de Aníbal Cavaco Silva—um governo de direita, como hoje se diz, e à semelhança do que o PCP sempre disse—, e que tem hoje à frente do seu conselho de administração e comissão executiva uma presidente oriunda do setor financeiro, um representante do BPI, principal mecenas privado da instituição, e uma ex-ministra da cultura, socialista—ou seja, o Bloco Central a que o regime nos habituou desde 1983?

Leonor Antunes critica o que afirma serem duas tristes realidades: a deriva populista europeia e o paternalismo da arte contemporânea. Estou de acordo, em geral, com estas duas críticas.

No entanto, convém sublinhar que os fenómenos populistas de extrema direita não têm, nem de longe nem de perto, em Portugal, a expressão urbana, ideológica e institucional que adquiriram na Alemanha, onde a Leonor vive e trabalha desde 2005. Por outro lado, o domínio do sexo masculino nas artes visuais contemporâneas no nosso país é mais superficial do que parece. Basta começar a contar as mais prestigiadas artistas portuguesas desde a segunda metade do século 20 para cá: Maria Helena Vieira da Silva, Paula Rego, Salette Tavares, Ana Hatherly, Ana Vieira, Helena Almeida, Menez, Lourdes Castro, Ana Jotta, Joana Vasconcelos, Filipa César, Ângela Ferreira, Susanne Themlitz, Leonor Antunes, Salomé Lamas, etc. As obras de Vieira da Silva, de Paula Rego e de Joana Vasconcelos são aliás as mais internacionais e as comercialmente mais valiosas de toda a arte portuguesa do século 20. Nenhum outro artista português do sexo masculino se aproxima sequer destes três nomes, quer no preço das obras, quer na popularidade.

Pedro Cabrita Reis, sempre atento às suas quintas, e ao ar que se respira nos corredores do estado e do dinheiro, inaugura no dia 21 de março, na Fundação Arpad Szénes – Vieira da Silva, uma exposição só com mulheres, intitulada candidamente “A metade do céu” (5). Não consta que a mesma tenha sido objeto de qualquer desconstrução feminista até à data. Todas, exceto Ana Vieira e outras artistas que já faleceram, responderam afirmativamente à chamada do simpático cabotino. (5)

No papel de curador, em 1999, para a Bienal da Maia, comecei por convidar Pedro Gadanho e Catarina Rosendo para me ajudarem no projeto. Do resultado desta colaboração, o número de participações do sexo feminino não confirma, antes contradiz, a preocupação da atual ministra da cultura com “a invisibilidade das mulheres artistas” (6).

Bienal das Maia, 1999 (artistas com nomes femininos)

Alice Geirinhas
Ana Pinto
Ana Quintans
Berta Ehrlich
Catarina Alves Costa
Catarina Campino
Catarina Leitão
Catarina Mourão
Catarina Simões
Cecília Delgado
Dores Queirós
Eva Mota
Fernanda Pereira
Filipa César
Gabriela Vaz
Helena Lopes
Inês Pais
Joana Pimentel
Joana Vasconcelos
Joana Villavede
Leonor Antunes
Lúcia Alves
Luciana Fina
Margarida Correia
Marina Reker
Paula Guerra
Rita Nunes
Sara Anahori
Shi Yong
Susana Pomba
Susanne Themlitz

É certo que a proporção de género terá andado à volta de uma participante com nome feminino por cada três artistas com nome masculino. Acontece, no entanto, que impor paridades de género neste domínio teria sido e será sempre uma forma de prepotência ideológica. Em primeiro lugar, porque não há apenas dois sexos mas, pelo menos, uma dezena. Para além dos machos e fêmeas, contam-se hoje mais oito variantes de género: LGBTQIAP+

Estabelecer uma proporcionalidade de género, por exemplo na participação portuguesa na Bienal de Veneza, para além do problema prévio de saber quem é português, implicaria mapear, pelo menos, dez géneros, a correspondente proporcionalidade, e só depois dar a palavra ao comissário!

Não devemos, em suma, transformar as questões de género numa guerra identitária por migalhas, ou por arcas recheadas de poder e dinheiro. Cada macaco no seu galho. A qualidade da arte dirime-se em espaço e tempo próprios. A história e a antropolgia da arte necessitam, aliás, de muito tempo para construirem os seus consensos.

Leonor Antunes é uma escolha justa para a representação portuguesa na Bienal de Veneza, apesar do impacto polémico das suas declarações de princípio, e sabendo nós que os presentes e futuros colecionadores das esculturas de Leonor Antunes são e serão muito provavelmente piratas, especuladores e exploradores situados na banda direita do espetro político, não representando mais de 0,1% da população portuguesa, alemã, europeia, ou mundial.


NOTAS

  1. Eduardo Pitta (in Facebook)
  2. Wikipédia. Esta página foi editada pela última vez às 10h29min de 17 de março de 2019.
  3. Wikipédia. Esta página se editó por última vez el 19 mar 2018 a las 21:01; primeira edição: 19.11.2016
  4. Company History. Daimler-Benz in the Nazi Era (1933 - 1945)
  5. Armanda Duarte, Aurélia de Sousa, Catarina Leitão, Cecília Costa, Clara Menéres, Cristina Ataíde, Cristina Mateus, Fátima Mendonça, Fernanda Fragateiro, Filipa César, Gabriela Albergaria, Graça Costa Cabral, Graça Morais, Graça Pereira Coutinho, Helena Almeida, Inês Botelho, Joana Bastos, Joana Rosa, Joana Vasconcelos, Josefa de Óbidos, Júlia Ventura, Leonor Antunes, Lourdes Castro, Luísa Correia Pereira, Luísa Cunha, Mafalda Santos, Maria Helena Vieira da Silva, Maria José Aguiar, Maria José Oliveira, Marta Soares, Menez, Patrícia Garrido, Paula Rego, Raquel Feliciano, Rita GT, Rosa Carvalho, Salette Tavares, Salomé Lamas, Sandra Baía, Sara (& André), Sara Bichão, Sarah Affonso, Sílvia Hestnes Ferreira, Sofia Areal, Susana Anágua, Susana Mendes Silva, Susanne Themlitz, Tânia Simões, Teresa Segurado Pavão, Túlia Saldanha, Vanda Madureira.
  6. Com Leonor Antunes a caminho de Veneza, ministra da Cultura quer combater “a invisibilidade das mulheres artistas”, Público.

sábado, 2 de março de 2019

Antropoceno e que mais?

Paul Rosero Contreras - Dark Paradise (2018)

Dark Paradise in Cristal Waters


“The fairest thing in nature, a flower, still has its roots in earth and manure.” D. H. Lawrence

Esta tarde de sábado, na Sociedade Nacional de Belas Artes, pelas 18:00, vou conversar com Miguel Petchkovsky, Paul Rosero Contreras e Anna Shvets sobre arte, investigação e ambiente, sobre a Bienal da Antártida e as ilhas Galápagos—o arquipélago onde Charles Darwin terá encontrado o nexo causal da evolução das espécies: a chamada “seleção natural”.

A dez meses de Lisboa se exibir como Capital Verde Europeia, esta será uma conversa oportuna, nomeadamente para a chamada arte ambiental e as várias correntes artísticas contemporâneas centradas na sustentabilidade ameaçada do planeta, por causas diversas, nomeadamente humanas.

Estaremos a presenciar e a causar, de facto, o fim de uma era a que alguns chamam Antropoceno? Terão os humanos tanto poder? Ou, pelo contrário, a histeria ambiental não passa disso mesmo, duma histeria, de uma nuvem de medo que encobre outras nuvens tóxicas bem mais preocupantes, que é ao mesmo tempo vendida a todos nós, financeiros, industriais, governos, cientistas, artistas e consumidores, como uma grande oportunidade?

Recomendo, para esta conversa, dois autores que descascam alguns aspetos perversos do frenesim ecologista e o regresso dum certo romantismo de boa consciência: Timothy Morton, e o seu livro Ecology Without Nature, Rethinking Environmental Aesthetics (2009), e The Skeptical Environmentalist - Measuring the Real State of the World, de Bjørn Lomborg.



Referências

dark-paradise.org

@darkparadiseproject (Facebook)

@darkparadise.art (Instagram)

http://paulrosero.com/

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Muitas orelhas a arder por aí...

JOANA VASCONCELOS. Cama Valium (1998) DMF, Lisbon/ ©Unidade Infinita Projetos

Politicamente correta e divertida


A artista plástica já tinha feito história em Bilbau. A exposição “I’m Your Mirror”, que agora chega a Portugal vinda do Guggenheim, foi a terceira mais vista de sempre no museu basco. 
No Porto, conta com a curadoria de Enrique Juncosa, curador independente.
“[Na exposição] é possível ver as diferentes temáticas que aparecem no trabalho de Joana Vasconcelos, incluindo questões de identidade, obras para o público, os ‘crafts’ e a tecnologia. As coisas que são poéticas e políticas”, sublinhou, à Euronews, Enrique Juncosa. — Euronews.


A obra de Joana Vasconcelos, como da maioria dos artistas, é assimétrica: coisas muito boas, boas, sofríveis e francamente más. O facto de ser mulher nem sequer é uma originalidade das artes plásticas portuguesas, onde, embora em franca minoria, constituem um núcleo do melhor que temos: Josefa de Óbidos, Aurélia de Souza, Mily Possoz, Maria Helena Vieira da Silva, Ana Vieira, Helena de Almeida, ou Paula Rego. A massificação da educação nas chamadas artes visuais, ao acentuar os estudos retóricos transdisciplinares e a hermenêutica das artes, em detrimento do 'saber fazer', forçando potenciais pintores, escultores, videastas, e artistas imersos no multimédia, ou nas artes eletrónicas, na computação, etc., a escrever ensaios, como se a escrita teórica, por si só, pudesse substituir a representação visual e icónica, as imagens em movimento, e a criação efetiva de jogos e mundos virtuais, é responsável pela transformação do apoio público às artes em mais um ramo das políticas sociais, onde a arte se confunde com terapêutica de massas, e integração social. Esta perspetiva 'cultural' tem conduzido a uma cada vez mais concentracionária e obtusa hierarquização das várias instituições artísticas: educação, historiografia, crítica, museus, etc. É a pseudo autoridade deste mundo neo-académico e burocrático que a obra intempestiva de Joana Vasconcelos, mas também de outros artistas da sua geração (Miguel Palma, João Tabarra, João Onofre, Leonor Antunes, Filipa César) ou mais jovens (Salomé Lamas), acaba por colocar em causa ao afirmar-se perante uma audiência que não parou de crescer desde que a conheci, em 1999.

JOANA VASCONCELOS. “Burka” (2002)DMF, Lisbon/ © Unidade Infinita Projetos

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Évora 2027

"It's the Real World With Google Maps Layered on Top", WSJ


Culture Capital Cities
Fundação Eugénio de Almeida, Évora
14 fevereiro 2019, 12:00


Tópicos para a minha comunicação



À pergunta "como podem a arte e a cultura contribuir para uma maior participação cívica na vida das cidades?", respondo: 

—distinguindo a cidade real da cidade virtual. 

Ambas estão neste preciso momento imersas numa cornucópia global gerando aquilo a que se poderia chamar hiperrealidade, isto é, uma realidade global localmente indexada, misturando a realidade real com uma realidade virtual, complexa e dinâmica.

Duas ideias bem conhecidas dos portugueses poderão ajudar-nos a elucidar o que está a acontecer:

— a ubiquidade antonina
— a heteronímia pessoana.

Temos hoje, por um lado, uma miríade de objetos ubíquos; por outro, a ubiquidade humana, um verdadeiro milagre tecnológico, de todos conhecido, mas cujo potencial está longe de ser explorado.

Dois dados novos para uma programação de política cultural:

— as geometrias variáveis na receção estética e cultural
— as geometrias variáveis da participação cívica, ou melhor dito, da multitude fractal inerente às sociedades tecnológicas e cognitivas.

Perguntas:

— o que é a arte numa sociedade de massas, global, tecnológica e cognitiva?
— como redefinir a noção de cultura numa tecnosfera em rápida expansão?
— pode haver civilização sem representação?

domingo, 10 de fevereiro de 2019

O vazio e a arte contemporânea


Gwen van der Zwan. "I made blood sausage using my own blood"

Os intelectuais de extrema direita intensificaram nos últimos anos uma guerra de propaganda contra a arte contemporânea. Dirigem uma campanha organizada contra aquilo que dizem ser uma arte que é feita apenas para chocar a sensibilidade do espectador e fazê-lo pensar mais do que aquilo que sabe.
Pedro Portugal, "Porque é que os conservadores odeiam a arte do presente", Ípsilon, Público, 8/2/2019.

Pedro

Se tivesses escrito "extrema direita", em vez de "conservadores ", no título da tua crónica, terias acertado no alvo. Ao confundires conservadores com extrema  direita cometeste um erro grosseiro.


Como sabes, melhor do que eu, os grandes colecionadores deste mundo são politicamente de direita, conservadores, liberais e neoliberais. Raramente são socialistas, e menos ainda comunistas. Estes, como também sabes, são regra geral conservadores em matéria de artes visuais contemporâneas. Até porque para se ser colecionador de arte contemporânea numa era de especulação financeira e hedonista exacerbada é preciso ser rico, um atributo das pessoas de direita e não de esquerda, salvo no caso de algum banqueiro anarquista, mas ainda aqui estamos quase sempre na presença dum vigarista ideológico, ou dum pirata.

No entanto, o teu artigo coloca uma questão importante. Há, na realidade, uma metamorfose oportunista e alienada na chamada arte contemporânea tardia, a qual mais não é do que uma mastigação da arte europeia e americana do século 20. Pior: a essa mastigação, normalmente com um prefixo "pós" qualquer, sucedeu uma vaga de artistas "investigadores", que mais não são do que subprodutos do ensino artístico de massas atrelados a uma lógica de financiamentos e subsídios públicos, cheirando quase sempre a neo-academismo que baste.

A arte que se afirma apenas pela sua arrogância plutocrata não pode, mais cedo ou mais tarde, deixar de provocar uma revolta popular, aliás cada vez mais notória no vazio dos museus e das galerias de arte contemporânea. Este vazio, sim, importa discutir, até porque os governos de todo o mundo, ou já estão, ou caminham rapidamente para a falência.

António

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

The misandry fear

Valerie Solanas. S.C.U.M. (Society for Cutting Up men) [1967, 1968*]

Life in this society being, at best, an utter bore and no aspect of society being at all relevant to women, there remains to civic-minded, responsible, thrill-seeking females only to overthrow the government, eliminate the money system, institute complete automation and destroy the male sex. 


It is now technically feasible to reproduce without the aid of males (or, for that matter, females) and to produce only females. We must begin immediately to do so. Retaining the male has not even the dubious purpose of reproduction. The male is a biological accident: the Y (male) gene is an incomplete X (female) gene, that is, it has an incomplete set of chromosomes. In other words, the male is an incomplete female, a walking abortion, aborted at the gene stage. To be male is to be deficient, emotionally limited; maleness is a deficiency disease and males are emotional cripples.

— in S.C.U.M. Manifesto 
(Society for Cutting Up Men)
by Valerie Solanas
New York, 1967

Women have a tremendous amount to lose by creating a lot of indifferent men. 


The Western World has quietly become a civilization that has tainted the interaction between men and women, where the state forcibly transfers resources from men to women creating various perverse incentives for otherwise good women to inflict great harm onto their own families, and where male nature is vilified but female nature is celebrated. This is unfair to both genders, and is a recipe for a rapid civilizational decline and displacement, the costs of which will ultimately be borne by a subsequent generation of innocent women, rather than men, as soon as 2020.

Now, the basic premise of this article is that men and women are equally valuable, but have different strengths and weaknesses, and different priorities. A society is strongest when men and women have roles that are complementary to each other, rather than of an adversarial nature. Furthermore, when one gender (either one) is mistreated, the other ends up becoming disenfranchised as well. If you disagree with this premise, you may not wish to read further.

[...]

Lefto-’feminists’ will be outbred and replaced very quickly, not by the conservatives that they hate, but by other cultures antithetical to ‘feminism’. The state that lefto-’feminists’ so admire will quickly turn on them once the state calculates that these women are neither producing new taxpayers nor new technologies, and will find a way to demote them from their present ‘empowered’ position of entitlement. If they thought having obligations to a husband was such an awful prospect, wait until they have obligations to the husband-substitute state.

[...]

Go to any department store or mall. At least 90% of the products present there are ones no ordinary man would consider buying. Yet, they occupy valuable shelf space, which is evidence that those products do sell in volume. Who buys them? Look around in any prosperous country, and we see products geared towards women, paid for by money that society diverted to women. From department store products, to the proliferation of take-out restaurants, to mortgage interest, to a court system rigged to subsidize female hypergamy, all represent the end product of resources funneled to women, for a function women have greatly scaled back. This is the greatest resource misallocation ever, and such malinvestment always results in a correction as the bubble pops.

[...]

This website has predicted that the US will still be the only superpower in 2030, and while we are not willing to rescind that prediction, I will introduce a caveat that US vitality by 2030 is contingent on a satisfactory and orderly unwinding of the Misandry Bubble. It remains to be seen which society can create economic prosperity while still making sure both genders are treated well, and the US is currently not on the right path in this regard. For this reason, I am less confident about a smooth deflation of the Misandry Bubble. Deflate it will, but it could be a turbulent hurricane. Only rural America can guide the rest of the nation into a more peaceful transition. Britain, however, may be beyond rescue.

— in “The Misandry Bubble”, by Imran Khan
The Futurist, January 01, 2010

An Antidote to Chaos


“Chaos, the eternal feminine, is also the crushing force of sexual selection. Women are choosy maters (unlike female chimps, their closest animal counterparts). Most men do not meet female human standards. It is for this reason that women on dating sites rate 85 percent of men as below average in attractiveness. It is for this reason that we all have twice as many female ancestors as male (imagine that all the women who have ever lived have averaged one child. Now imagine that half the men who have ever lived have fathered two children, if they had any, while the other half fathered none).41 It is Woman as Nature who looks at half of all men and says, “No!” For the men, that’s a direct encounter with chaos, and it occurs with devastating force every time they are turned down for a date. Human female choosiness is also why we are very different from the common ancestor we shared with our chimpanzee cousins, while the latter are very much the same. Women’s proclivity to say no, more than any other force, has shaped our evolution into the creative, industrious, upright, large-brained (competitive, aggressive, domineering) creatures that we are. It is Nature as Woman who says, “Well, bucko, you’re good enough for a friend, but my experience of you so far has not indicated the suitability of your genetic material for continued propagation.”

— in Jordan B. Peterson, 12 Rules for Life: An Antidote to Chaos (2018)

PS: I strongly advise you to read in tandem all Solanas' Manifesto, Peterson's 12 Rules, and Khan's post on the perils of misandry. It will certainly give powerful ammunition to anyone who wishes to follow the impact of gender issues on our societies for at least the last fifty years.

*
1967
self-published edition
excerpts from it were published as
Valerie Solanis
“S.C.U.M. Manifesto”
Berkeley Barb (June 7-13, 1968): page 4

1968
S.C.U.M. Society for Cutting Up Men Manifesto
(Olympia Press, New York)
with a preface by Maurice Girodias, and a commentary by Paul Krassner, “Wonder Waif Meets Super Neuter”

— in Smith, Donny, Valerie Solanas: Bibliography at the Wayback Machine (archived August 17, 2005)
https://web.archive.org/web/20050817015943/http://geocities.com/WestHollywood/Village/6982/solanas.html#paper