domingo, 1 de maio de 2005

O grande estuário

O Grande Estuário, visão aérea (2005)
©Ideia original (2005): António Cerveira Pinto
Desenvolvimento (2005): António Cerveira Pinto, Carlos Sant'Ana, Daniela Lopes, Inês Melo, Mónica Garcia, Nuno Almeida, Ricardo Sousa.

A hipótese: Lisboa, 2030
por António Cerveira Pinto

Portugal tem hoje cerca de 10,5 milhões de habitantes. 80% desta população reside ao longo da faixa litoral. A correspondente taxa anual de crescimento é da ordem dos 0,5% (0,1% de crescimento natural e 0,4% de crescimento migratório). As previsões demográficas da ONU (revistas em 2004) apontam para 10.723.000 pessoas em 2050 — quer dizer, um acréscimo que não chega aos 300 mil habitantes.

As cidades de Lisboa e Porto perderam, entre 1991 e 2001, mais de 130 mil habitantes para as respectivas periferias. O concelho de Lisboa, por si só, perdeu mais de 240 mil residentes entre 1981 e 2001. Mas a concentração populacional e urbana na Região de Lisboa e Vale do Tejo (3.467.483 de pessoas em 2001), e mais especificamente da Grande Área Metropolitana de Lisboa (2.661.850 de pessoas em 2001), continua a dar-se de forma contínua, com especial incidência nos concelhos de Sintra, Amadora, Loures, Almada, Seixal e Setúbal. Quem percorre as periferias das duas maiores cidades portuguesas apercebe-se dos impressionantes ritmos de sub-urbanização que desde há três décadas têm descaracterizado estas zonas.

No caso da Grande Área Metropolitana de Lisboa, a par da má qualidade urbanística e arquitectónica do património edificado, aumentou dramaticamente o volume e intensidade dos movimentos pendulares periferia-centro-periferia e abrandou a velocidade de circulação automóvel entre localidades, diminuindo assim o tempo pós-laboral disponível e aumentando as despesas com os transportes, nomeadamente as implicadas na aquisição e uso do automóvel.

A dispersão suburbana actual (com as respectivas cidades e aldeias dormitório) é uma paisagem cuja origem pode ser localizada numa conjuntura e num tempo muito precisos: nos Estados Unidos depois da 2ª Guerra Mundial. Gasolina barata, crédito democrático para comprar casas e automóveis, dezenas de milhar de quilómetros de estradas e auto-estradas, cinemas “drive-in”, “super-markets”, “shopping malls” e “theme parks”; em suma, tudo isto e o sonho americano de uma casinha independente, com relvado e grelha de churrasco à porta. O mesmo sonho, recauchutado, mas ainda assim encantador — apartamento e lareira, automóvel e ’shopping’ —, chegou até nós no princípio da década de 1980 e durou praticamente até ao dealbar do século 21. Entretanto, depois dos atentados de 11 de Setembro e da última guerra contra o Iraque, as coisas começaram a mudar. Em 1998 o petróleo custava 12 USD o barril, em 2003 custava 25 dólares, em Outubro de 2006 andava pouco abaixo dos 60 USD, e a 1 de Agosto de 2007 chegou aos 78,77 USD, ultrapassando o máximo absoluto de 78,40 dólares por barril registado em 13 de Julho de 2006. Apesar de o mercado ter previsto um aumento médio dos preços do crude na ordem dos 31% ao ano, a verdade é que o barril de petróleo triplicou de preço entre 2002 e 2007, e custa hoje seis vezes mais do que no ano em que inaugurou a EXPO'98. A gasolina sem chumbo 95, por sua vez, custa hoje em Portugal o dobro do que custava em 1998.

O efeito conjugado da especulação imobiliária, do desemprego, da subida generalizada do custo de vida e de uma maior pressão fiscal, obrigará cada um de nós a fazer melhor as contas domésticas e a eleger com muito mais cuidado as prioridades de investimento. Se o barril de petróleo chegar aos 400 dólares em 2017 (não nos esqueçamos que o preço do barril multiplicou por 6 na década que vai de 1997 a 2007), e o litro de gasolina sem chumbo 95 não custar menos de 2,6 euros, os centros urbanos e todas as principais interfaces de transportes urbanos e suburbanos tornar-se-ão muito mais atractivos do que já hoje são. A especulação imobiliária aumentará ainda mais, assim como a actividade de construção nos referidos polarizadores urbanos. Se não houver entretanto nem visão estratégica nem planeamento adequados por parte dos poderes autárquicos e autoridades municipais, as complicações poderão ser mais do que muitas.

A nossa visão do Grande Estuário assenta basicamente em três previsões: que vamos gastar mais combustíveis fósseis no futuro imediato antes de os consumos globais começaram inexoravelmente a decair; que vai haver uma transição apressada e dolorosa das actuais energias carbónicas para sistemas energéticos renováveis (e nucleares de terceira e quarta geração?); e que durante tal transição boa parte dos subúrbios poderão implodir, originando o repovoamento e aumento de densidade demográfica das velhas cidades.

Entretanto, que poderemos fazer?

O Grande Estuário propõe uma plataforma de trabalho assente em quatro pilares:
  1. Obs(ervatório)
  2. Simulador de futuros (SdF)
  3. Núcleo de Exploração Urbana e Suburbana – neXus
  4. Banco de Horas

PRIMEIRAS CONCLUSÕES

É necessário reformular os actuais sistemas de mobilidade urbana e suburbana:
  • localização de um novo aeroporto na Base Aérea Militar do Montijo articulado com os actuais aeroportos da Portela e de Tires;
  • construção de duas novas pontes (Chelas-Barreiro* e Belém-Trafaria**);
  • introdução de novos sistemas de transportes (Maglev, “Tram-Train”, táxis fluviais, etc.); expansão das redes de Metro de superfície e dos corredores BUS (estendendo-os para fora do perímetro urbano da cidade); criação de novas interfaces multimodais aproveitando os nós das grande vias de penetração e circunvalação da cidade de Lisboa.
A solução da Grande Área Metropolitana de Lisboa passa obrigatoriamente pela resolução de um problema chamado Lisboa, ou melhor dito, centro de Lisboa.

Envelhecido, atrofiado e incapaz de oferecer alternativas credíveis às novas tensões urbanísticas, este centro precisa de crescer (como tal, i.e. como centro) e transformar-se no verdadeiro modelo de requalificação da grande urbe.

Crescer para Sul é a nossa proposta: a zona ribeirinha entre a Almada e Alcochete, hoje em processo de sub-urbanização acelerada, deverá ser o alvo principal de uma operação metropolitana estratégica e de grande envergadura.

O lançamento de uma candidatura aos Jogos Olímpicos de 2020 seria uma boa forma de criar as condições anímicas, organizativas e políticas para a grande revolução urbana que temos em mente.

A Grande Área Metropolitana de Lisboa deveria apostar numa estratégia de desenvolvimento clara e assente em quatro grandes eixos:

  • Eixo A: Criação de Parques de Energias Renováveis, tendo em vista diminuir drasticamente a nossa dependência energética, nomeadamente dos combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão)***;
  • Eixo B: Generalização da Agricultura Biológica na Região de Lisboa e Vale do Tejo (com a consequente interdição das tecnologias químicas sintéticas e transgénicas);
  • Eixo C: Planeamento das actividades industriais com duas prioridades à cabeça:
    • actividades relacionadas ou correlacionadas com o mar e o rio;
    • actividades relacionadas ou correlacionadas com as novas indústrias energéticas.
  • Eixo D: Desenvolvimento de um ambicioso sistema de infraestruturas polarizadoras de turismo de fim-de-semana, de estação e residencial.
Durante os próximos tempos procuraremos insistir na sensibilização cívica para os problemas suscitados pelo Grande Estuário, dando especial relevância à discussão de uma possível candidatura ao Jogos Olímpicos de 2020, como forma de discutir o futuro desta velha e bela região.

* Objecções ao custo desta solução (nomeadamente devido à profundidade do rio no eixo previsível de implantação dos pilares) aconselham uma alternativa diferente: fazer uma nova ponte paralela à ponte Vasco da Gama, exclusivamente destinada à ferrovia (Alta Velocidade, Velocidade Elevada e extensão do Metro). Ver as investigações de Rui Rodrigues a este respeito e em particular “Como é que o governo vai descalçar esta Ota?”

** A ponte Belém-Trafaria, que permitira fechar a Circular Regional Interior de Lisboa (CRIL), é uma mera hipótese de trabalho que a estagnação demográfica, a crise económica persistente, a crise energética e a crise climática poderão tornar rapidamente obsoleta. [04/11(2006]

*** Portugal e Espanha, i.e. a península ibérica, têm condições para uma substituição integral das energias fósseis (que induzem uma dependência energética na ordem dos 86%) até 2050. Basta para isso lançar uma OPA VERDE aos cartéis que actualmente controlam a situação energética em ambos os países. [14/11/2006]

Versão original: 1 maio 2005; penúltima actualização do projecto OGE: 17 agosto 2007; última actualização deste texto: 7 dezembro 2011.


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