terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Muitas orelhas a arder por aí...

JOANA VASCONCELOS. Cama Valium (1998) DMF, Lisbon/ ©Unidade Infinita Projetos

Politicamente correta e divertida


A artista plástica já tinha feito história em Bilbau. A exposição “I’m Your Mirror”, que agora chega a Portugal vinda do Guggenheim, foi a terceira mais vista de sempre no museu basco. 
No Porto, conta com a curadoria de Enrique Juncosa, curador independente.
“[Na exposição] é possível ver as diferentes temáticas que aparecem no trabalho de Joana Vasconcelos, incluindo questões de identidade, obras para o público, os ‘crafts’ e a tecnologia. As coisas que são poéticas e políticas”, sublinhou, à Euronews, Enrique Juncosa. — Euronews.


A obra de Joana Vasconcelos, como da maioria dos artistas, é assimétrica: coisas muito boas, boas, sofríveis e francamente más. O facto de ser mulher nem sequer é uma originalidade das artes plásticas portuguesas, onde, embora em franca minoria, constituem um núcleo do melhor que temos: Josefa de Óbidos, Aurélia de Souza, Mily Possoz, Maria Helena Vieira da Silva, Ana Vieira, Helena de Almeida, ou Paula Rego. A massificação da educação nas chamadas artes visuais, ao acentuar os estudos retóricos transdisciplinares e a hermenêutica das artes, em detrimento do 'saber fazer', forçando potenciais pintores, escultores, videastas, e artistas imersos no multimédia, ou nas artes eletrónicas, na computação, etc., a escrever ensaios, como se a escrita teórica, por si só, pudesse substituir a representação visual e icónica, as imagens em movimento, e a criação efetiva de jogos e mundos virtuais, é responsável pela transformação do apoio público às artes em mais um ramo das políticas sociais, onde a arte se confunde com terapêutica de massas, e integração social. Esta perspetiva 'cultural' tem conduzido a uma cada vez mais concentracionária e obtusa hierarquização das várias instituições artísticas: educação, historiografia, crítica, museus, etc. É a pseudo autoridade deste mundo neo-académico e burocrático que a obra intempestiva de Joana Vasconcelos, mas também de outros artistas da sua geração (Miguel Palma, João Tabarra, João Onofre, Leonor Antunes, Filipa César) ou mais jovens (Salomé Lamas), acaba por colocar em causa ao afirmar-se perante uma audiência que não parou de crescer desde que a conheci, em 1999.

JOANA VASCONCELOS. “Burka” (2002)DMF, Lisbon/ © Unidade Infinita Projetos

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Évora 2027

"It's the Real World With Google Maps Layered on Top", WSJ


Culture Capital Cities
Fundação Eugénio de Almeida, Évora
14 fevereiro 2019, 12:00


Tópicos para a minha comunicação



À pergunta "como podem a arte e a cultura contribuir para uma maior participação cívica na vida das cidades?", respondo: 

—distinguindo a cidade real da cidade virtual. 

Ambas estão neste preciso momento imersas numa cornucópia global gerando aquilo a que se poderia chamar hiperrealidade, isto é, uma realidade global localmente indexada, misturando a realidade real com uma realidade virtual, complexa e dinâmica.

Duas ideias bem conhecidas dos portugueses poderão ajudar-nos a elucidar o que está a acontecer:

— a ubiquidade antonina
— a heteronímia pessoana.

Temos hoje, por um lado, uma miríade de objetos ubíquos; por outro, a ubiquidade humana, um verdadeiro milagre tecnológico, de todos conhecido, mas cujo potencial está longe de ser explorado.

Dois dados novos para uma programação de política cultural:

— as geometrias variáveis na receção estética e cultural
— as geometrias variáveis da participação cívica, ou melhor dito, da multitude fractal inerente às sociedades tecnológicas e cognitivas.

Perguntas:

— o que é a arte numa sociedade de massas, global, tecnológica e cognitiva?
— como redefinir a noção de cultura numa tecnosfera em rápida expansão?
— pode haver civilização sem representação?

domingo, 10 de fevereiro de 2019

O vazio e a arte contemporânea


Gwen van der Zwan. "I made blood sausage using my own blood"

Os intelectuais de extrema direita intensificaram nos últimos anos uma guerra de propaganda contra a arte contemporânea. Dirigem uma campanha organizada contra aquilo que dizem ser uma arte que é feita apenas para chocar a sensibilidade do espectador e fazê-lo pensar mais do que aquilo que sabe.
Pedro Portugal, "Porque é que os conservadores odeiam a arte do presente", Ípsilon, Público, 8/2/2019.

Pedro

Se tivesses escrito "extrema direita", em vez de "conservadores ", no título da tua crónica, terias acertado no alvo. Ao confundires conservadores com extrema  direita cometeste um erro grosseiro.


Como sabes, melhor do que eu, os grandes colecionadores deste mundo são politicamente de direita, conservadores, liberais e neoliberais. Raramente são socialistas, e menos ainda comunistas. Estes, como também sabes, são regra geral conservadores em matéria de artes visuais contemporâneas. Até porque para se ser colecionador de arte contemporânea numa era de especulação financeira e hedonista exacerbada é preciso ser rico, um atributo das pessoas de direita e não de esquerda, salvo no caso de algum banqueiro anarquista, mas ainda aqui estamos quase sempre na presença dum vigarista ideológico, ou dum pirata.

No entanto, o teu artigo coloca uma questão importante. Há, na realidade, uma metamorfose oportunista e alienada na chamada arte contemporânea tardia, a qual mais não é do que uma mastigação da arte europeia e americana do século 20. Pior: a essa mastigação, normalmente com um prefixo "pós" qualquer, sucedeu uma vaga de artistas "investigadores", que mais não são do que subprodutos do ensino artístico de massas atrelados a uma lógica de financiamentos e subsídios públicos, cheirando quase sempre a neo-academismo que baste.

A arte que se afirma apenas pela sua arrogância plutocrata não pode, mais cedo ou mais tarde, deixar de provocar uma revolta popular, aliás cada vez mais notória no vazio dos museus e das galerias de arte contemporânea. Este vazio, sim, importa discutir, até porque os governos de todo o mundo, ou já estão, ou caminham rapidamente para a falência.

António