quinta-feira, 2 de julho de 2020

MEIAC_GV 1.0 - transição e tecnofania

/// texto acp [2001]

MEIAC_GV 1.0 - transição e tecnofania

A) o projecto
B) obras portuguesas
C) endereços


A)

Para ser exacto, diria que o papel pioneiro do Museo Extremeño Iberoamericano de Arte Contemporáneo (MEIAC) na criação de uma galeria virtual teve origem no êxito da exposição Ex-Mater que o mesmo museu produziu em 1996. A ideia da construção de uma pequena cidade experimental, entre Lisboa e Madrid (Montemor-o-Novo), dedicada ao estudo e desenvolvimento das novas tecnologias, cujo “centro paroquial” seria um museu virtual alojado num edifício construído de raíz, mereceu a atenção da imprensa local. A utopia mantém-se de pé, mas como todas as utopias há nela algo de irrealizável.

Dado o interesse continuado do MEIAC, e muito em especial do seu Director, pelas ideias então expostas, foi possível partir para um projecto menos ambicioso mas imediatamente executável. Refiro-me ao MEIAC_GV, isto é, à Galeria Virtual do museu. Apresentada no ARCO 2000, o MEIAC_GV foi a primeira galeria virtual promovida por um museu de arte contemporânea na Península Ibérica. Um ano depois, e uma vez mais sem paralelo nas instituições ibéricas congéneres, o MEIAC volta ao ARCO com a sua Galeria Virtual, desta vez, apoiando a realização de uma curadoria temática em volta da manipulação artística de jogos electrónicos. O Seminário de Arte e Tecnologia (SAT) promovido pelo mesmo museu ocorreria, neste contexto, como uma iniciativa lógica do ponto de vista da convocação das sinergias imprescindíveis em processos desta natureza.

Estamos a caminho de 2002, vários museus espanhóis começam agora a encarar seriamente o papel fulcral das novas tecnologias informáticas no desenvolvimento da cultura e das artes à escala mundial, e é por conseguinte o momento ideal para aprofundar a iniciativa pioneira do MEIAC.

Ao contrário do que a recessão económica (e a recente tragédia americana) parecem indicar sobre o futuro das novas tecnologias de informação nas sociedades pós-industriais, o uso da web, do multimédia interactivo, das comunicações móveis e de todos os dispositivos oriundos da chamada computação ubíqua, mudou as nossas vidas e vai continuar a mudá-la muito rapidamente. O grande salto, porém, não será dado pelo advento da nova geração de telemóveis (UMTS), ou pelo desenvolvimento da televisão digital interactiva à medida das velhas corporações televisivas, mas sim pela disponibilização dos futuros écrãs de alta resolução associada ao incremento substancial das velocidades de transferência dos ficheiros de texto, audio, video e de toda a espécie de objectos digitais. A paisagem mediática está a mudar com a multiplicação dos canais temáticos e a progressiva mas inevitável perda de centralidade da televisão generalista. A paisagem mediática mudará ainda mais quando a segunda vaga da Internet chegar até nós, verdadeiramente multimodal e pessoal.

No campo da criação literária e artística, que é o nosso tema, talvez seja um bom momento para realizarmos um balanço do que foi feito desde o início da década de 90 e sobretudo desde que o acesso à Internet se generalizou. Também neste domínio não haverá retrocesso nos actuais pressupostos técnicos da nova criatividade: toda a representação objectiva e subjectiva do mundo dirige-se à tecnosfera digital, sob a forma de cópia ou eco, mas também como duplo genético capaz de seguir o seu próprio caminho cibernético de modo mais ou menos inteligente. A iliteracia computacional e digital tornar-se-à uma desvantagem cultural cada vez mais importante. Pensar, imaginar e exprimir o mundo e a vida, entre os humanos, continuará a ser tarefa sua, mesmo se, quando submetida ao império das audiências, toda a criação tende a ser distorcida de modo inesperadamente perverso. A questão que aqui nos traz, porém, é a das linguagens, meios e ferramentas usados na produção das manifestações culturais, e essa aponta, seguramente, para uma mutação sem precedentes na história da humanidade.

Em “Writing for the Web”, Crawford Kilian começa com uma observação que não poderia ser mais oportuna e certeira: “The glory and the curse of the World Wide Web in its first decade is that no one truly understands it.” E segue com exemplos: as cadeias de televisão tratam a Web com uma espécie de televisão muito lenta; os jornais usam-na como um jornal estampado na face dum caixote; os negócios tomam-na como uma lista telefónica mais colorida; e assim sucessivamente: uma página de texto, uma tela, uma tira BD, um álbum de família, uma biblioteca ou um Rolodex.

Os artistas contemporâneos separaram-se a este propósito em dois grupos: de um lado, estão os que apenas usam a Internet para o seu correio electrónico, chegando por vezes a publicar um portefolio na web; do outro, uma vaga crescente de artistas que experimentam usar o novo “medium” na criação de obras de arte. Deste segundo grupo, devemos ainda distinguir dois sub-grupos importantes: os que delegam a migração das suas ideias artísticas para a web em programadores, designers e artistas com conhecimentos práticos na matéria, e os que, não apenas dominam linguagens e ferramentas, mas também colocam esses conhecimentos e o estudo constante da cibercultura emergente ao serviço de uma verdadeira indagação e experimentação sobre os fundamentos da tecnocultura na era da sua democratização e globalização.

Nesta espécie de pós-modernismo cibernético, o campo da arte transformou-se, como muitos outros, num território de complexidade. Para lidar com esta complexidade os artistas necessitarão de conjugar as suas aptidões genéticas e a sua educação com um programa muito claro de trabalho, do qual façam parte a crítica sistemática da arte moderna, a aprendizagem de novas linguagens, o uso de novas ferramentas, e, por fim, a introdução de um novo paradigma criativo nos hábitos da produção cultural: informação-informação-arte.

Lançando um breve olhar pelo panoramam português do século 20, poderemos sem dúvida dizer que o isolacionismo geo-político, económico e cultural, somado ao peso da nossa tradição lírica, impediram a consolidação de verdadeiros focos de arte analítica e experimental. Há momentos breves de entusiasmo criativo (coincidindo quase sempre com os períodos de juventude dos artistas) que depois acabam por estiolar, dando passagem a acomodações infelizes ao conservadorismo das instituições e do mercado predominante. Os casos são conhecidos: as experiências surrealistas de António Pedro e de Fernando Lemos, as máquinas cinéticas e situacionistas de René Bertholo, os projectos irrealizados de Júlio Bragança e de Fernando Lanhas, o teatro de sombras de Lourdes Castro, os ambientes e envolvimentos de Ana Vieira, ou o pós-concretismo poético de Salette Tavares, Ana Hatherly, Ernesto de Mello e Castro, António Aragão e Alberto Pimenta. A utilização do filme e do vídeo foi meramente conjuntural na trajectória dos artistas que entre nós lhe deram visibilidade: Ângelo de Sousa, Julião Sarmento, Fernando Calhau, José Conduto, José Carvalho, António Palolo, Leonel Moura, Cerveira Pinto, etc. Na era do computador pessoal, Emanuel Dimas Pimenta e Ernesto Melo e Castro realizam uma apropriação ainda muito “modernista” do novo meio, sem porventura compreenderam a mudança de paradigma cultural em curso. O revivalismo vídeo, especialmente quando associado à moda “desconstrucionista”, ao sistema das “instalações” e à lógica “DJ”, toma conta de boa parte da última geração da década de 90, que assim deixa passar uma excelente oportunidade de agarrar a revolução digital em marcha desde 1994-95. As excepções, aliás muito recentes, de André Sier, Patrícia Gouveia, Miguel Soares, Pedro Reis e poucos mais, confirmam a sintonia que, mal ou bem, a arte portuguesa sempre foi conseguindo com o tempo da criação internacional. Mas o desafio, uma vez mais, será saber até que ponto esta sintonia não descambará, outra vez, num mero epigonismo passageiro, ou pior ainda, na pura e simples desistência. A seu favor têm, apesar de tudo, os ventos da história.

O meu trabalho, seguindo uma trajectória de vinte anos em prol de uma arte crítica e responsável, encontra-se pela primeira vez facilitado. Quer o convite do MEIAC para desenhar e pôr de pé a sua Galeria Virtual, a qual supõe apoiar projectos e adquirir obras conformes ao paradigma digital e “cibernáutico”, quer, por outro lado, o desafio que me foi dirigido por Dulce Dagro para continuar a Quadrum nos moldes que fizeram desta galeria de arte uma das principais referências institucionais da vanguarda artística portuguesa do último quartel do século 20, acabaram por confluir na decisão por mim tomada, em 1994, de olhar para as implicações das novas tecnologias sobre a cultura em geral e as artes visuais em particular. O facto de estarmos no princípio de algo e já não no fim, não poderia ser melhor estímulo para radicar entre nós um dos núcleos de uma arte essencialmente alimentada pela babélia digital que brota convulsivamente da World Wide Web.


B)

ANDRE SIER
“struct_0”, instalação-composição av, versão_0, 2001.

Andre Sier. struct_0, instalação, Sevilha

Na sinopse deste projecto, fornecida pelo autor, ficamos a saber que estamos perante uma aplicação informática que visa expor visualmente o tecido aural subjectivo de um espaço sob a forma de sínteses gráficas de sistemas de partículas (Reeves, 1983) em sintonia audível com o som composto. O resultado é uma manifestação audiovisual “site-specific”, isto é, uma presença de luz e som cujo aspecto dinâmico depende do lugar e do momento em que ocorre e é usufruído (o espectador, os espectadores, com a sua simples curiosidade, ajudam a definir a obra).

Ao descrever o processo de formação da obra André Sier (um artista que é simultaneamente programador) esclarece-nos que o som de um espaço próximo é captado através de um microfone direccional e inserido em tempo-real num computador Macintosh. A aplicação, baseada nos “softwares” MAX/MSP/GEM, mecaniza a captação audível e executa a composição sonora recorrendo à estrutura temporal sonora actual e/ou próxima.

O som fonte é registado na memória RAM quando certas condições se verificam. Nessa situação, o som poderá ou não servir de base de leitura e projecção para o presente da conclusão das técnicas aurais utilisadas.

Os processos e algoritmos de manipulação sonora orbitam o universo da análise temporal -- visando analisar evoluções sónicas, perspectivar as alterações espectrais sonoras no presente e passado recente... através da modulação por síntese granular síncrone ou assíncrone.

“Asynchronous granular synthesis (AGS) has proven valuable in modeling sounds that would be difficult to describe using earlier techniques. AGS sprays sonic grains into cloudlike formations across the audio spectrum.”

[Roads, C., “The Computer Music Tutorial”, “Multiple Wavetable, Wave Terrain, Granular and Subtractive Synthesis”, MIT press, 1995.]

A imagem, por sua vez, é sintetizada gerando um sistema de partículas que é modulado e representado de acordo com o valor espectral da energia sonora do som. Esses valores serão utilizados directamente ou construindo novos valores através de operações da teoria dos conjuntos: intersecções, uniões, complementos, diferenças... números esses que são devidamente mapeados para o universo visual, controlando rotações, velocidades, raios e eixos de projecção, envolvendo a íris num perpétuo jogo.

“Reeves initially used the term particle systems do describe a method he used to create a sequence of images for the movie “Star Trek II: The Wrath of Khan”. The effect he was trying to create was that of a bomb exploding on the surface of the planet and fire spreading out from the point of impact to eventually engulf the planet. Each particle in this system was a single point in space. The fire was represented by thousands of this individual points. (...) Reeves calls an object made up of particles a fuzzy object.”

[Allen,M., “particle systems”, http://www.cs.wpi.edu/~matt/courses/cs563/talks/psys.html ]

Sendo ainda uma extensão da mente e um dispositivo criativo essencialmente subjectivo - isto é, que não visa demonstrar coisa alguma, mas tornar presente essa nova aura inteligente e omnipresente a que poderíamos chamar “tecnofania” -, a ideologia que subtende a aproximação crescente de muitos artistas actuais aos fundamentos computacionais de uma arte geneticamente interactiva deverá talvez ser entendida como a continuação - julgada improvável pelos pós-modernos mais pessimistas - desse realismo constructivista (Pevsner, Gabo, Tatlin, etc.) que esteve na origem de toda a abstracção crítica do século 20. A música contemporânea há muito que iniciou esta indagação experimental. Faltava ligar a “pintura” (quer dizer, o mundo das imagens visuais, ou melhor dito ainda, o mundo das manifestações da subjectividade concreta que conduzem à chamada “arte”) a este movimento de renovação estética. A obra de Andre Sier, entre outras, prova que algo de muito importante começou a mexer nesta área.

ANTONIO CERVEIRA PINTO
“Un Caso Notable, portal n.1”, instalação multimédia, 2000


--- Esta instalação foi encomendada para a estreia da Galeria Virtual do MEIAC, a qual teve lugar em Madrid durante a ARCO 2000. O projecto aproveitou uma parede com 33 metros de comprimento, transformando-a num longo mural interactivo. Na ponta esquerda foi afixado o esquema do relógio contemplativo da Ordem dos Carmelitas do Deserto (entidade intimamente ligada à história mítica de Las Hurdes, a que este projecto se refere). Entre esta imagem da divisão do dia e da noite e uma outra versão, “actualizada”, ou “filosófica”, do diagrama -- a mesma roda do tempo, com a mesma marcação dos tempos, mas sem a mesma disciplina -- foram cravados na parede 8 lages de xisto negro (oferecidas pela pedreira extremenha Pizarras del Rey), sobre as quais pousaram outros tantos computadores (Apple G4 com écrãs TFT) ligados à Internet. Por cima dos computadores corria a palavra “desierto” escrita do avesso, numa alusão críptica ao seu significado contraditório: o deserto, a reclusão, o abandono e o castigo, como estigmas negativos de Las Hurdes e de todos os sítios abandonados deste Mundo; mas também o deserto, a solidão contemplativa, a natura imaculada, a pobreza material da filosofia e, enfim, o paraíso da união extrema entre ser e existir, como factos de uma percepção mais rica e complexa do lugar temporariamente obscurecido pelo projecto que Buñuel levou a cabo retomando a ideia original de um trotskista francês que as autoridades espanholas do tempo não deixaram entrar no País. Numa piscadela de olhos lançada por António Cerveira Pinto a Richard Long, deparamo-nos com uma última lage de xisto (a lage 9), vertical, encostada ao mural, antecipando a pose dos milhares de visitantes da feira de arte que ao longo da semana iriam repousar naquele interstício. Terminando a sequência, vemos a ampliação fotográfica da imagem digital de uma curva de estrada, realizada durante uma das incursões do autor a Las Hurdes. A imagem está ladeada por inscrições em latim, com as correspondentes versões castelhanas, impressas do avesso: “Et in Arcadia ego” / “Esto es el Paraíso” e “Morituro Satis” / “Para quién ha de morir, suficiente”. Concluindo esta espécie de porta filosófica da Galeria Virtual do MEIAC (“portal n.1”), cada computador inactivo activa um “screen saver” com imagens modificadas do filme “Las Hurdes, Tierra sin Pan”. Interrompida a estabilidade do ambiente cibernético, surge um menu de acesso, quer à continuação de “Un Caso Notable...” (espécie de contraponto turístico ao humor negro de Buñuel), quer ao conjunto de obras dos 7 artistas espanhois e portugueses especialmente convidados para a fundação da Galeria Virtual do MEIAC: Célia Quico, Dora Garcia, Eva Mota, Maite Cajaraville, Patricia Gouveia, Ricardo Iglesias, Roberto Aguirrezabala.

Esta instalação funciona, pois, como um dispositivo metafórico pendular, a partir do qual se passa da memória difusa de “Las Hurdes, Tierra sin Pan” de Buñuel a uma visão paradisíaca da actual reserva ecológica e atracção turística. Os espaço, mesmo quando são eternos, ou precisamente quando se tornam referências recorrentes, permitem um sem número de apropriações, olhares, imaginações e sonhos. Este é o da devolução da serenidade e mistério que lhe pertencem desde tempos imemoriais.

CELIA QUICO
“Senses”, aplicação multimédia interactiva, 1998 (fragmento do projecto inicial especialmente adaptado para a Web)

-- Na origem, foi desenvolvido como uma aplicação para CD-ROM, no âmbito de uma pós-graduação levada a efeito no Canadá. Trata-se de um percurso muito “Pop” sobre as sociedades tecno-mediáticas actuais, organizado como uma cornucópia, ou melhor dito, como um jogo rizomático de textos, imagens, sons, e animações humorísticas em volta da chamada Sociedade do Espectáculo. Essa sociedade obsessiva, consumista, frenética, erótica e pasmada sobre a qual tão bem escreveu Guy Débord. Seguramente, um dos primeiros projectos multimédia portugueses executado com o recurso intensivo às possibilidades tecnológicas e interactivas do programa Director. Destaque-se também o uso igualmente pioneiro do QuickTime VR. E, por fim, a perfeita integração de linguagens e de média nesta divertidíssima introspecção pós-moderna.

EVA MOTA
“Flaming 2”, video digital/ versão para web, 2000

-- Esta peça traduz, no caso português, uma das primeiras migrações da chamada “video art” para a web. Na origem, “Flaming 2” foi apresentada como uma instalação vídeo. Um monitor, colocado no meio de uma galeria de arte (a Quadrum), passa continuamente um “loop” cujo conteúdo é uma figura feminina dançando no meio de fumos espectrais de tons rosa, vermelho e violeta. Não sabemos se estamos diante de uma evocação da deusa Shiva/Parvati (a deusa oriental, andrógena, guerreira e cósmica, purificada pelas cinzas da destruição criativa, e que toma várias formas, temperamentos, géneros e nomes: Kali, Laksmi, Shri, Durga,...), se na presença de uma estrela Pop desconhecida, ou ainda diante de uma evocação da interminável Fashion TV. Uma rapariga cujos membros e aparências se multiplicam continuamente ao longo de uma dança graciosa e insistente parece evocar a própria ideia de uma feminilidade hermafrodita como origem e magma da vida. A espiritualidade ressuscitada num “video clip”...

A adaptação do video para o formato QuickTime obrigou a uma redução do ciclo do “loop” e a uma compressão da informação. Este constrangimento parece, todavia, reforçar a intensidade dramática do projecto, à semelhança do que ocorre com os “loops” e os “samples” usados pelos DJs e por muita da música apropriacionista actual. Por outro lado, a geometria variável da janela QuickTime permite ao usuário da obra interferir no aspecto da mesma, isto é, o écrã do computador, ao contrário de um simples monitor de televisão, acaba por revelar-se como uma paisagem multimodal e interactiva. Podemos ampliar ou encolher a janela, podemos arrumar a janela QT num écrã povoado por outras aplicações (textos, mais vídeos, imagens, folhas de cálculo...). Por esta verdadeira brecha do espaço digital começa a passar uma arte de tipo novo.

PATRICIA GOUVEIA
“Soong Sisters”, aplicação web, 2001

-- Este projecto foi concebido especificamente para a web, recorrendo à linguagem própria da Internet - o HTML - e ao Flash, um programa especializado na interacção dos componentes multimédia da Web: animação de imagem e som. O seu conteúdo é a história das famosas irmãs Soong : Ai-ling , Ching-ling e May-ling, filhas do milionário Charlie Soong, que ganhou a sua fortuna a vender bíblias na China. Das 3 irmãs Soong se disse: que a do meio (Ching-ling) amava a China, dado o envolvimento político decorrente do seu casamento com o revolucionário Sun Yat-sen; que a mais nova (May-ling) amava o poder, dado o seu envolvimento social e o casamento com o general Chiang Kai-Shek; e finalmente da mais velha (Ai-ling), que amava o dinheiro, dado o seu envolvimento económico e o casamento com o ministro das finanças H.H. Kung. Um dos irmãos Soong, T.V. Soong, foi aliás considerado o homem mais rico do mundo na década de 40/50. A dinastia soong “reinou” durante quase um século, controlando a política, a economia e a sociedade chinesa, com influentes ramificações no sub-mundo chinês e nos “gangs” que o controlavam.

Tal como outras três obras suas (“Ruptura”, “Between poets” e “Jizo”), “Soong Sisters” usa o multimédia como uma plataforma para o desenvolvimento de pseudo narrativas interactivas e multimodais, com uma coerênia a que parece faltarem texto e sintaxe, baseadas numa espécie de jogo do qual desconhecemos as regras e o propósito. Os actores e os argumentos - por vezes importados de fontes literárias tradicionais, como o romance, a poesia e a biografia - são dispostos no tabuleiro digital de forma caótica, ou só aparentemente lógica, para que o leitor/jogador se possa entreter na reconstrução da tecitura original ou descobrir novas combinatórias narrativas. Em “Soong Sisters”, tal como nas outras já citadas, ou ainda em “Blind Game”, o hipertexto permite sintetizar uma visão cibernética do mundo filtrada pelas experiências pessoais e pelas vivências culturais da artista. Ao contrário de todo o multimédia didáctico, ainda que sob a sua aparência, Patrícia Gouveia vem desenvolvendo em Portugal uma experiência muito interessante de reconstrução da linguagem a partir da convergência dinâmica entre oralidade, escrita, iconografia e comunicação interactiva. Como oportunamente escreve Maria Teresa Cruz em “Navegar - De regresso à(s) base(s)”, as “projeccções de bases de dados” de Patrícia Gouveia forçam “a uma constatação aparentememnte simples: a estrutura essencial do ciberespaço é a da colecção de elementos que podem ser textos, imagens, sons, etc., sem formar qualquer espécie de totalidade, sem nada que os unifique ou os envolva”. A “estrutura descontínua das bases de dados” (MTC) encontra, pois, no espaço dito rizomático da Internet, o lugar ideal para a sua proliferação ideológica. No ciberespaço, cada realidade é uma realidade informática (“data”) unindo momentaneamente - por vezes nos dois sentidos - um emissor (endereço do servidor/do directório/do ficheiro) e um receptor (endereço do cliente). As bases de dados são casulos de realidade potencial e o ciberespaço é um mundo povoado de “buracos negros”. É necessário um “clique” para que a a percepção e a consciência despertem do caos que antecede cada pedido frenético de informação. O resultado, bom o resultado depende de nós...

PEDRO REIS
“Zenith of Self Critical Fullfilment”, video digital/ versión para web, 1999

-- Nesta peça, o autoretrato do artista é o resultado da simetria formada a partir de uma só metade da sua face. Ao não revelar qual das metades é a ‘verdadeira’, o artista interroga com alguma ironia a nossa capacidade de discernimento, aludindo à confusão crescente entre “mundos reais” e “mundos virtuais”. Definir uma tal fronteira pode pois passar pelo reconhecimento das nossas próprias ‘imperfeições’ e pelo apuramento dos processos de auto-conhecimento e reflexão crítica...
A imagem, que na realidade é um pequeno filme QuickTime em “loop”, parece um “still” fotográfico. No entanto, com o passar dos segundos, notamos que a mesma cintila (à maneira de alguns desenhados animados), que a sua simetria se vai revelando como uma estranha unidade suturada. Se expandirmos a janela do QuickTime TV poderemos observar claramente o autoretrato como uma simetria em movimento perpétuo. Repare-se nas pontas dos cabelos, ou ainda no sinal facial que aparece e desaparece. Estamos pois diante de um movimento subliminar e de um filme digital sobre as ilusões e limites da percepção distraída.

Numa outra obra sua, “Kerze (1983-    )”, Pedro Reis toma por referência uma conhecida pintura de Gehrard Richter cujo tema é uma vela acesa. O paradoxo da pintura - contrariar a entropia de uma vela consumida pelo tempo - é de novo reforçado por uma sequência video que descreve aquela mesma manifestação da Segunda Lei da Termodinâmica, congelada desta vez num “loop” de aparente eternidade.

Podemos dizer, para ambos os casos, que o Vídeo, a Internet, a Comunicação e a Interacção regressam, em última instância, à Pintura! Não existe percepção fora da linguagem, como não há linguagem fora do vai-e-vem do conhecimento. A Pintura, isto é, o que dela resta como possibilidade, não é assim tanto uma questão de desenho, cor e gordura, mas de teoria (ou contemplação, para usar uma expressão mais antiga).

C)

-- uma nova era

http://www.rhizome.org/
http://www.nettime.org/
http://www.thing.net/

http://www.generative.net/
http://www.eusocial.com/

http://www.abnormalbehaviorchild.com/
http://www.theremediproject.com/
http://www.no-such.com/
http://www.ljudmila.org/~vuk/
http://www.critical-art.net/
http://www.thing.net/~rdom/main_display.html
http://www.obn.org
http://www.dextro.org
http://wwwwwwwww.jodi.org/

http://www.metamute.com/
http://www.motherJones.com/
http://www.zmag.org/
http://www.salon.com/
http://www.suck.com/
http://www.desires.com/
http://www.transmag.org/

http://www.ctheory.com/
http://www.textz.com/

http://www.maedastudio.com/

http://www.djspooky.com/
http://www.warprecords.com/
http://www.soundlab.org/
http://www.mego.at/


-- guerra electronica

http://www.iwar.org.uk/
http://www.wildlist.org/
http://www.thehacktivist.com/


-- museus na Internet

http://www.walkerart.org/
http://www.sfmoma.org/

http://whitney.org/artport/
http://www.moma.org/
http://www.guggenheim.org/

http://www.tate.org.uk/
http://www.modernamuseet.se/

http://www.meiac.org/
http://www.macba.es/
http://www.cgac.org/


-- velhas galerias tentam adaptar-se à nova era...

http://www.whitecube.com
http://www.mariangoodman.com/
http://www.doffay.com/
http://www.gagosian.com/
http://www.galeriaquadrum.com


-- as velhas revistas, também !

http://www.frieze.com/
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-- agregadores...

http://www.artnet.com/
http://www.e-flux.com/
http://www.w3art.es/

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