sábado, 8 de novembro de 2014

Casimiro em Pessoa

Manuel Casimiro
Tudo é complexo e misterioso para quem pensa
2004

O pensamento é uma imagem

por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO 

Por mais que se procure no éter eletrónico da Casa Fernando Pessoa, uma instituição saturada de retratos e retratinhos do poeta e de uma inenarrável tralha interativa, tudo em modo de capela de ex-votos dedicada a um poeta que nunca pensou ajudar tanta gente, na casa onde, pasme-se, a Câmara Municipal de Lisboa colocou mais de vinte funcionários e colaboradores, todos informaticamente iletrados, é forçoso reconhecer, dificilmente se conseguirá saber que lá está neste momento uma exposição de pintura de Manuel Casimiro. Mas está mesmo, e até ao dia 24 de Janeiro de 2015.

Viagem na Pintura, no Pensamento/ Manuel Casimiro na Casa Fernando Pessoa, assim se chama a exposição e o cuidado livro publicado para a ocasião pela CML/EGEAC/Casa Fernando Pessoa, com textos de Bernardo Pinto de Almeida e do artista ele mesmo, é uma agradável surpresa para quem conhece a obra de Manuel Casimiro. Sem abandonar em algum momento o seu ovóide, a sua negra viúva enigmática, ou seja, o seu peculiar dispositivo semiótico (espécie de testemunha inesperada, Pedra de Roseta de onde apagaram os hieróglifos, ou bisturi metonímico da contemporaneidade) que tanto excitou o filósofo Jean-François Lyotard e o escritor Michel Butor, sem abandonar sequer as suas recorrentes evocações de Marcel Duchamp, a série de pinturas que podemos apreciar dentro da arquitetura cuidada, bem cuidada, devo reconhecer, por João Carrilho da Graça, revela-nos, porque é de uma revelação que se trata, um mestre da cor. Mas é preciso ir ao lugar, e ver as pinturas mesmo, que toda a reprodução fotográfica (incluindo as que acompanham este post) trai e empobrece, para nos deliciarmos com o que não pude deixar de sentir como uma evocação, talvez inconsciente, mas uma evocação, do velho Matisse solar.

As capas arrancadas a uma revista de poesia —Le Cahier du Refuge— nas tardes variáveis de Venade, entrevendo-se a Galiza ao alto, e a Foz do Minho por perto, e a luz filtrada pelos vinhedos, servem, no passar daquele verão de 2004, de ready-made pronto para uma retificação, de texto virado do avesso do texto, pacificamente pousados a jeito de deixar entrar a bela Vénus que por aquelas noites costuma visitar os atentos e extasiados, pela mente de um pintor, mas desta vez também pela mão de um mentor convocando o espírito da cor.

Dirá o Manuel que são pinturas mentais, que sim, que sim, mas desta vez não são os trocadilhos indizíveis e finamente malcriados que o Marcel adorava tecer, nem monocromias álgicas apesar de a exposição acontecer bem perto do quarto onde viveram juntos os heterónimos do senhor Fernando. Não, desta vez, o Sol convocou Matisse, e ele veio e que bem que veio, e que lindo ficou, e que pequenos tesouros do arco-íris nasceram das mãos do Manuel. Uma epifania! Que mais podemos querer de umas férias de verão em Caminha?


Manuel Casimiro
Je vois et me laisse aller a mediter
2004

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